terça-feira, 27 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: O Evangelho do Reino de Deus para os Pobres

O Evangelho do Reino de Deus para os Pobres
MOLTMANN, J. O caminho de Jesus Cristo. Petrópolis: Vozes, 1992, pp. 137-164.
Por Claudecir Bianco – 27/04/2010

Os evangelhos apresentam a história de Jesus à luz de sua missão messiânica inaugurada por seu Batismo. Sua missão abrange sua proclamação e seu agir, seu agir e seu sofrimento, sua vida e sua morte.

No Antigo Testamento, anunciar o evangelho significa anunciar uma mensagem alegre, a vitória, a salvação. Quem anuncia felicidade é portador de felicidade e é honrado como tal.

O profeta Dêutero-Isaías deu conteúdo messiânico ao termo evaggelizein: o profeta anuncia ao povo no cativeiro babilônico um êxodo novo, escatológico da escravidão para a permanente terra da liberdade, pois com sua obra de salvação o próprio Javé assumirá o trono e estabelecerá seu reino sem fim.

O Evangelho é o prenúncio da salvação. O Evangelho é início da epifania do Deus vindouro em forma de palavra. O Evangelho não é uma descrição utópica de um futuro distante, mas a irrupção desse futuro na palavra que promete e liberta.

Seu público são os pobres, miseráveis, doentes e desesperançados como aqueles que mais sofrem sob o afastamento de Deus e a inimizade dos homens.

O Evangelho do reino de Deus é o Evangelho da libertação do povo: quem anuncia o futuro de Deus, esse traz a liberdade ao povo.

Reino de Deus e nova criação
Quem ressalta o senhorio de Deus tem em mente o presente e atual domínio de Deus. O atual domínio de Deus pode ser experimentado hoje na libertação dos presos e na cura dos doentes, na expulsão dos demônios e no erguimento dos humilhados.

Deus governa na História por meio do Espírito, Palavra, liberdade e obediência. Seu domínio encontra resistência, contradições e adversários. É um domínio controvertido e oculto na controvérsia. Por isso ela está programada, de si própria, para a perfeição no futuro no qual Deus governa irrestritamente e quando será tudo em tudo em sua glória.

O agir libertador de Deus deve, por isso, ser entendido como a imanência do reino escatológico de Deus, e o reino vindouro deve ser entendido como a transcendência do atual domínio de Deus. O domínio de Deus é o presente de seu reino, e o reino de Deus é o futuro de seu domínio.

Por fim, com a ressurreição de Cristo começa a nova criação, pars pro toto, no Crucificado.

A dignidade dos pobres
Por um lado, a justiça de Deus é descrita como direito da comiseração com os mais miseráveis, por outro, o futuro do reino de Deus irrompe entre aqueles que mais sofrem sob violência e injustiça dos homens, os pobres.

O Evangelho é realista e não idealista. Por isso está em primeiro plano para Jesus a preocupação com pobreza, doença, possessão demoníaca, abandono, e não a preocupação com as doutrinas dos fariseus e saduceus.

Os “pobres” são as “não pessoas”, os “sub-homens”, os desumanizados, “material humano”.

O “rico” tem o poder (Lc 14-54). Pode barganhar o trigo e fazer subir os preços, e assim tornar os pobres ainda mais pobres.

O Evangelho não apenas leva o reino de Deus aos pobres, mas também descobre o reino dos pobres, que é o reino de Deus.

Portanto, quem anuncia o Evangelho aos pobres faz parte dos pobres e ele próprio se torna pobre na comunhão deles.

Sua confiança está inteiramente voltada para Deus, por isso não se preocupam com nada.

O Evangelho não lhes traz nem feijão nem arroz, mas sem dúvida, a certeza de sua dignidade indestrutível aos olhos de Deus.

A interiorização do sistema de valores dos dominantes pelos pobres é um sério empecilho para sua autolibertação. Ela torna a pobreza autodestruidora e produz ódio próprio nos pobres.

Deus, porém, lhes abriu um futuro e os fez herdeiros de seu reino vindouro. Se essa esperança se espalhar, então esse futuro se torna a autoridade de sua libertação e a fonte de sua graça.

Os pobres se tornam filhos de Deus neste mundo violento e injusto. O reino de Deus se torna o “reino messiânico dos pobres”.
Somente na comunhão dos pobres abre-se o reino de Deus para os outros.

Libertação por conversão
Jesus anuncia o reino de Deus aos pobres incondicionalmente e os declara bem-aventurados, porque ele já lhes pertence. Aos ricos, porém, o Evangelho do reino se depara como chamado à conversão (Mc 1.15 par).

Conversão realiza essas novas possibilidades abertas por Deus. Começa-se a vida verdadeira já agora que virá para toda criação com o reino de Deus.

Conversão influencia as pessoas e as circunstâncias nas quais as pessoas vivem e sofrem, portanto, o modo de vida pessoal e comunitário da mesma forma como os próprios sistemas de vida nos quais os modos de vida estão ordenados.

Conversão acontece como o discipulado de Cristo, integralmente, “de todo coração, de toda alma e com todas as forças”, como o amor de Deus (Dt 6.5), ou então ela não ocorre.

Cura dos enfermos – expulsão dos demônios
O domínio de Deus expulsa da criação os poderes da destruição, os demônios e ídolos, e sara as criaturas por eles machucadas. Se vem o reino de Deus como Jesus anuncia, então também vem a salvação. Se vem a salvação de toda a criação, então também vem a saúde das criaturas em corpo e alma, no indivíduo e na comunhão, nos homens e na natureza.

Cura e exorcismo
Não se deve entender cura e exorcismo como fenômenos exorbitantes isolados, mas relacionados à missão messiânica de Jesus.
Onde quer que Jesus expulse espíritos de pessoas possessas, essas “saram”, recobram a “razão” e tornam-se livres para a autodeterminação (Mc 5.15).

O Messias redimirá a ambos: expulsará os poderes da destruição de pessoas, para que pessoas recobrem a liberdade, a saúde e a razão. Ele redimirá esses mesmos poderes do serviço da destruição e os recolocará a serviço do Criador (Ef 1.20-23; Cl 1.20).

“A salvação” é então o resumo de todas as curas. Se ela está contida no domínio de Deus, então ela é tão abrangente como o próprio Deus e não pode ser reduzida a áreas parciais da criação.

“Salvação é uma grandeza que inclui integridade e bem estar dos homens, salvação para o totus homo, não simples salvação da alma para o indivíduo”.

Cura de doenças e perdão dos pecados são necessários e não podem ser reduzidos uma ou outro. Não obstante, existe uma diferença que não se pode esquecer, apesar de toda a ênfase da totalidade da salvação que tem sua origem no poder de Deus: a cura supera a enfermidade e cria saúde. No entanto, ela não vence o poder da morte. A salvação em sua consumação, porém, é a destruição do poder da morte e o ressuscitamento do homem para a vida eterna.

Assim como a cura supera a doença, assim a salvação supera a morte. Sendo qualquer doença um prenúncio da morte de ameaça à vida, toda cura é um prenúncio vivo da ressurreição.

Nesse sentido a salvação tem dois aspectos, um aspecto pessoal e outro cósmico. Paulo denomina o aspecto pessoal de “a ressurreição dos mortos”, e o aspecto cósmico denomina de “a destruição da morte”.

Os demônios apenas receberam outros nomes. Não é preciso crer num mundo dos espíritos próprio, independente para reconhecer a destruição de vidas humanas pelos poderes da destruição.

O verdadeiro problema teológico das histórias de curas de Jesus é levantado por sua paixão e por sua impotente morte na cruz: “A outros salvou, que salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito” (Lc 23.35). Justamente isso, porém, Jesus não pode, é claro. O “poder” curador que dele emana, e a “autoridade” que ele tem sobre os demônios, não lhe foram conferidos para uso próprio, mas apenas em benefício de outros.

Conseqüentemente, Jesus não cura somente através de seu “poder” e de sua “autoridade”, mas também por meio de seu sofrimento e sua impotência.

Quando doentes são demonizados, como por exemplo, aidéticos, então são excluídos da sociedade e condenados à morte social. Hoje, o primeiro passo para a cura dos doentes seria justamente a desdemonização de enfermidades, na medida em que suas relações sociais são preservadas e sua dignidade humana é reconhecida de forma permanente.

Fé que cura
Onde há fé, o poder que emana de Jesus opera milagres. Onde falta a fé, como em sua cidade natal Nazaré, nada pode fazer.

Sob “fé” não se deve entender apenas uma confiança cordial, mas também uma busca e vontade das respectivas pessoas.

O divino poder de cura não parte unilateralmente dele. Ele também não é, simplesmente, “sua ação”, como e quando quiser. Onde Jesus e fé se encontram nessa reciprocidade, as coisas podem acontecer.

Aceitação dos marginalizados - erguimento dos humilhados
Por meio da aceitação dos “pecadores” e “publicanos” e das prostitutas Jesus não justifica o pecado, a corrupção ou a prostituição, mas rompe o circulo vicioso de sua discriminação no sistema de valores dos justos. Com isso também liberta potencialmente os “justos” da coerção da justiça própria, e os “bons” da posse do bem.

Na história de Zaqueu (Lc 19.1-10) Jesus entra na casa “de um pecador”, para escândalo das pessoas de bem, e declara que, com isso, “hoje houve salvação nesta casa”.

Chama a atenção o fato de Jesus perdoar os pecados incondicionalmente – sem confissões de pecados e sem obras expiatórias substitutivas.

O reino de Deus, porém, que Jesus anuncia e demonstra com sua vivência com pobres, doentes, pecadores e publicanos, não apenas traz o domínio de Deus sobre sua criação, mas também a grande ceia de alegria dos povos: “Javé dos Exércitos prepara para todos os povos, sobre esta montanha, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carne suculenta, de vinhos depurados.

Remissão dos pecados e comer e beber no reino de Deus são dois lados da mesma coisa; como também o mostra o retorno do “filho perdido” (Lc 15.22).

O partir do pão e o beber do vinho representam o reino de Deus na forma do corpo entregue “por nós” e do sangue de Cristo derramado “por nós”.

Aquele que traz a dignidade do reino de Deus aos pobres e que revela aos pecadores e publicanos a justiça justificadora de Deus é também o “hospedeiro” messiânico que convida os famintos para comerem e beberem no reino de Deus e que lhes demonstra a comunhão de mesa de Deus.

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Particularmente esse tema me atrai muito. Desde muito cedo em minha caminhada com Cristo, percebi que seguir a Cristo é muito mais do que tudo o que eu já tinha escutado sobre ele.

Pude perceber que Deus nos chama, nos restaura e nos comissiona para anunciarmos esta mensagem de libertação aos pobres. Apesar de ser algo concreto para mim, posso observar que não são todos os crentes que chegaram neste entendimento.

Muitos buscam apenas coisas para si mesmos.
O texto é realmente fascinante. À medida que se avança na leitura, pode-se observar o distanciamento que estamos das palavras em nossas Igrejas.

Não me recordo qual foi a última vez que ouvi alguma mensagem com este conteúdo. No entanto, quando prego sobre isso, parece que estou falando para o vento, parece que são coisas que a maioria das pessoas não quer ouvir.

Acredito que há certos equívocos relacionados com o que é realmente ser Cristão. Quando lemos em João 10.10b. a afirmação de Jesus “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”, muitas pessoas imaginam que receberam a salvação apenas para desfrutar de “benefícios” dados por Deus. Pensam que têm um “deus dentro uma garrafa”, que está ali, pronto para satisfazer seus desejos, suas ambições. Sabem, todavia, que Cristão nos dá vida em abundância, para o presente, mas não é somente no sentido material.

Ele nos dá vida, para que anunciemos vida. Ele nas dá a Salvação, para que anunciemos a Salvação.

Todos os pontos abordados por Moltmann fazem sentido para a Igreja no dias de hoje, e na verdade, nunca deveriam cair no esquecimento.

Quando a Igreja anuncia o Evangelho de transformação, o Senhor da Igreja é glorificado e seu Reino é estabelecido.
Quando anunciamos o Cristo ressuscitado, anunciamos a restauração de vidas.

Se deixarmos de lado essa tarefa seremos negligentes com a Missão que nos foi confiada.

Será que já não estamos sendo?

Que o Senhor nos ajude e nos oriente para que sejamos fiéis a Ele e portadores das Boas Novas, como diz Moltmann: “Quem anuncia felicidade é portador de felicidade e é honrado como tal.”

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