quarta-feira, 7 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Deus como Criador e o Mundo como Criação.

BERKHOF, Hendrikus. “Deus como criador e o mundo como criação” In: MCKIN, D. K. (ed.). Grandes temas da tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1998, pp. 63-70.
Por Claudecir Bianco

No texto “Deus como Criador e o Mundo como Criação”, Hendrikus Berkhof traz conceitos interessantes para alguns e blasfemos para outros. Para descrever sobre este assunto, o autor divide o título principal em dois subtítulos. O primeiro trata de “Deus como criador” e, o segundo “o mundo como criação”.

Na primeira parte, começa sua narrativa com a afirmação que a maioria dos cristãos ouvem desde muito cedo em sua caminhada, que “o Deus que encontramos na revelação de Israel e em Cristo é o criador do mundo”. Descreve que, Deus com amor santo em seus atos de criação e promessa ao homem não combina com a realidade do mundo. Seria uma contradição para alguns, afirmar tal sentença. Afirma que na revelação de Deus, está presente a promessa da salvação e da libertação. E esta libertação não estaria fora da existência e nem seria uma fuga do mundo, mas sua redenção de forma geral. Segundo o autor, falar da salvação significa dizer purificação do mundo e a elevação deste, a um nível superior. Afirma categoricamente que essas identificações provocam tensões para a fé de alguns e problemas para o intelecto de outros, mas ainda assim, a crença no criador, segundo ele, está distante de ser algo evidente à sua criatura. Relata que na fé cristã é encontrado pontos conflitantes com o dia a dia das pessoas, como por exemplo, na confissão do credo apostólico: “Creio em Deus Pai, criador do céu e da terra.” Diz que a vontade de Deus não é algo arbitrário e sim uma expressão do ser de Deus como amor santo e por ser vontade de Deus, ela é, ao mesmo tempo, irredutível. Afirma que o mundo criado é um mundo imperfeito, uma realidade que acontece no tempo e, este mundo procede de um Deus perfeito e eterno, assim, ele pergunta: Como podemos atribuir a Deus aquilo que é temporal e imperfeito? No entanto as respostas poderiam ser somente em pensamentos de categorias de tempo e espaço e que assim, seria insuficiente para a compreensão de Deus. Afirma haver uma iniciativa divina que leva ao encontro, do criador com os seres humanos, e não há alguma possibilidade que proceda de duas direções. Isso é comprovado quando se afirma que o mundo foi criado do nada. Ainda nesta primeira parte o autor afirma que o mundo tem somente um fundamento: a vontade de Deus, que é santo amor, e é por isso, que ao anunciarmos a confissão da criação, por estar na Bíblia e, também pelo que se canta na Igreja, esse testemunho toma a forma de um hino de louvor ao Criador. Finaliza esta primeira reflexão afirmando que “A criação é boa porque o criador é bom”.

Em seguida, dá início na segunda parte com o subtítulo: O mundo com criação. Diz haver similaridade do pensamento Teísta sobre a criação do mundo, aos resultados das convicções filosóficas e da ciência natural, especialmente o que está descrito em Gênesis capítulos 1 e 2. Afirma que a cosmovisão cristã, com respeito à redenção acarreta muitas coisas para aquilo que se conhece e o que se tem no mundo, assim, pelo mundo ser de fato criado por Deus, implica que tudo o que nele há é estruturalmente bom e importante. Nada é mau; nada é enganoso; nada é inferior. Diz ainda, que o mundo foi feito propositalmente e que Deus o criou por amor, a fim de que Ele pudesse existir e se desenvolver.

Deus como criador começou uma história com a humanidade; Ele decidiu encontrar-se com os seres humanos como ser humano, por ter novos propósitos. Dessa forma, ao buscar a comunhão e a obediência a Deus, o entendimento deste propósito se torna evidente. Afirma também que o propósito do mundo é o reino de Deus como a plena realização da existência humana através da comunhão com Deus. Quando se aceita o Novo Testamento, pode-se entender a criação como o primeiro de uma série de atos redentores de Deus, análoga à redenção. Dessa forma pode-se crer que o propósito final da criação a partir do aparecimento de Cristo, se torna mais claro. Berkhof afirma ainda que esta criação foi feita para ser elevada, que é real, tem um objetivo e utilidade numa forma radicalmente nova de humanidade em conformidade com a imagem do Cristo glorificado. Em posse desse pensamento o crente deve ambicionar outro mundo, não se conformando com este.

O autor procura trazer ao entendimento do leitor que na atualidade há a necessidade de se pensar numa articulação da crença na criação em termos da interpretação evolucionista do universo. O que até o século passado parecia impossível, pelo pensamento cristão estar ligado à narrativa da criação de forma unilateral de Gênesis, capítulo 1, e, também porque o darwinismo determinístico tradicional dava a impressão de excluir a idéia da criação e que, hoje, segundo ele, estas pressuposições, mutuamente excludentes, foram abandonadas. Berkhof arrisca dizer que atualmente é mais fácil associar a fé cristã com a noção de evolução do que com a visão de mundo estática ptolemaica e, que, para ele, a doutrina da evolução estabelece um grande processo histórico daquilo que chamamos natureza, um processo que conduz ao surgimento do fenômeno da espécie humana, que é contínuo, levando de uma forma nova a um futuro novo e aberto. Descreve que em Gênesis capítulo 1, a criação é apresentada como um processo histórico que consome seis dias – assim, faz a comparação dizendo haver uma forma de processo evolutivo – e que isso, prefigura a história da redenção que se estende rumo ao futuro escatológico. Diz que a aceitação da interpretação evolucionista por parte do crente, o leva a entender que ela (interpretação evolucionista) é a descrição do fenômeno exterior do evento da criação e que possivelmente seria necessário ter outros modelos para falar sobre a origem do universo. No final desta segunda parte, o autor entra num assunto não menos polêmico onde discorre sobre o céu e sua conexão com os anjos. Descreve que na Bíblia, a palavra “céu” traz três significados distintos, mas confluentes: 1- o visível firmamento estrelado; 2- uma realidade criada mais elevada, inacessível à observação humana, onde Deus é louvado e servido; e 3- a esfera ou espaço do próprio ser de Deus. Procura encerrar seus argumentos dizendo que a salvação quer dizer que o céu é ativo em penetrar a terra e que ao falar sobre o céu, quer dizer que o mundo ainda existe num estágio inferior de desenvolvimento. Que a ação de Deus é esperada na terra, e Ele irá levantá-la a um nível de existência superior, em harmonia e comunhão com o modo de existência impregnado por Ele mesmo.

Foi grande o desafio de resumir tão elevado pensamento em poucas linhas por haver muitas ricas argumentações por parte do autor. No entanto, ao mergulhar no texto, observa-se um pensamento que está bem acima dos limitados e tradicionais encontrados em algumas discussões teológicas.

O autor é habilidoso ao levar o leitor a compreender a possibilidade de um Deus, bom e amoroso, criador de um mundo que se consome e que se deteriora a cada momento. Como, um ser supremo poderia realizar coisa assim?

À medida que discorre sobre seus argumentos o entendimento do texto se torna mais claro. Soberania do Criador e dependência da criatura. Plano redentor, por parte de quem cria, e pensamento limitado da criatura.

Há a necessidade de pensar dentro destes conceitos. Nossa teologia não pode e não deve tentar limitar Deus, através de nosso pensamento cognitivo. Quando “damos” a liberdade para Deus ser Deus, podemos ver, tanto a criatura como o Criador de formas muito diferentes dos parcos e limitados pensamentos que somos induzidos a desenvolver.

Devemos pensar a ciência como elemento da mesma criação e não algo que, de alguma forma, deveria trazer comprovação apenas. Os extremos por muito tempo têm causado vários e sérios problemas para a humanidade, e por que não dizer para a Igreja de Cristo.

Ver Deus na criação, mesmo através do processo evolutivo é, para mim, algo de uma grandeza singular. Um desafio sem precedentes, com necessidades de aprofundamentos teológicos e científicos, com lisura e honestidade. Deus é capaz de fazer muito mais do que aquilo que conhecemos, vemos ou ouvimos sobre Ele. Ele é Deus. No entanto, muitas pessoas pensam na soberania de Deus, somente quando está passando por alguma necessidade.

Vivemos num tempo de religião self-service. À medida que preciso, busco. Se precisar de um milagre, Ele pode fazer. Mas ao pensarmos que para Deus não há limites e nem limitações, temos algumas dificuldades.

Precisamos romper com estes empirismos, dentro e fora da igreja e entender que somos apenas criatura, “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10). Acredito que seremos libertos, cada vez mais, quando caminharmos neste sentido. Berkhof nos apresenta um lindo texto, mesmo sendo apenas a ponta de iceberg, nos desafia a aprofundar na leitura e nesta linha de pensamento para honra e gloria do próprio Criador.

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