quarta-feira, 28 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Para que somos salvos?

ZABATIERO, J. P. T. (org.) Curso Vida Nova de Teologia Básica. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2006, pp. 101-116.
Por Claudecir Bianco – 28/04/2010

Uma teologia que seja para prática, sintonizada com a espiritualidade, relevante e desafiadora para a missão, não pode deixar de considerar a experiência do Espírito Santo, em toda sua pluralidade, como uma de suas fontes para a reflexão. A teologia deve, simultaneamente, alimentar-se da experiência de fé, servindo de critério para a experiência cristã. À luz da Escritura, temos aprendido que o Espírito Santo une o povo de Deus. Une, mas não uniformiza. Une, mas não pela lei, pela institucionalidade, pelo ministério, pela experiência ou pelo carisma.

O ESPÍRITO SANTO NA VIDA TRINITÁRIA DE DEUS
A compreensão cristã de Deus é teologicamente exigente. Cremos em um só Deus internamente diversificado em três pessoas, noção que não pode ser plenamente entendida nem explicada, mas compõe um dos chamados mistérios da fé cristã, ou seja, doutrinas que só podem ser expressas de forma parcial e analógica (comparativa). Falar de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo é falar de Deus analogicamente, de forma comparativa com as experiências humanas, e não de forma literal. As distinções entre Pai, Filho e Espírito Santo não podem ser entendidas como distinções de grau de divindade, de importância pessoal ou de ascendência hierárquica no tempo ou no espaço.

O ESPÍRITO SANTO: A VIDA DE DEUS NO MUNDO EM QUE VIVEMOS
Como vida de Deus, o Espírito Santo é a vida e a vitalidade da criação. Nada no mundo teria vida sem a presença vivificante do Espírito, sem o fôlego de Deus doado a suas criaturas para que possam viver. Em cosmovisões materialistas, o mundo é visto como material, independente de Deus, não criado nem sustentado por ele. Na concepção bíblica, porém, o mundo é criação divina, e a vida que nele existe é vida doada por Deus, é vida dependente. O Espírito Santo não é Deus agindo de vez em quando no mundo, dando-lhe vida e subsistência. O mundo somente existe porque o Espírito Santo é a energia da vida nele presente. É também mediante o agir do Espírito que a nova criação já está acontecendo, mas ainda não consumada. Como vida de Deus no mundo, a ação do Espírito é invisível e indetectável, a não ser pela fé, que convida ao compromisso de amor à vida por parte de toda criação como uma das manifestações de nosso amor a Deus com toda a mente, coração, alma e forças.

O Espírito Santo e a renovação da humanidade
Assim como o Espírito divino é a fonte de vida da criação, ele é também a fonte de renovação da humanidade no ser humano, como que numa preparação para a salvação em Cristo. Nenhum bem é feito pelo Ser humano de forma independente da ação do Espírito em sua vida. Foi assim que Pedro pôde reconhecer em Cornélio um homem justo e preparado por Deus para a salvação (At 10-11), e reconhecer que as divisões religiosas não podem ser entendidas de forma absoluta. Os impuros também pertencem a Deus, e Deus age em seu meio, renovando-lhes a humanidade e preparando-lhes para a plena salvação. Por mais ambíguas que sejam as ações renovadoras do ser humano na história, nenhuma delas pode ser separada do Espírito de Deus.

O Espírito Santo e a vida redimida da criação
A plena ação renovadora do Espírito, porém, constitui-se na criação do povo de Deus, na transformação das pessoas mediante a fé em Cristo Jesus, que as leva a participar do corpo de Cristo, bem como se constitui na nova criação de todas as coisas. Vinculado a sua ação na vida do Filho encarnado, o Espírito é a pessoa da Trindade que concretiza a obra do Filho na humanidade. Em outras palavras, sem o agir do Espírito, a salvação ofertada por Deus em Cristo Jesus, não pode ser entendida, recebida, nem vivida pelas criaturas de Deus. A eficácia do testemunho do evangelho não reside na estratégia evangelística, na estrutura da igreja ou nos recursos utilizados na pregação, mas sim, está na ação do Espírito Santo, que vivifica a palavra e o testemunho, tornando-os concretos na vida de quem responde afirmativamente ao convite de Deus.

O Espírito Santo: a vida de Deus na igreja em que servimos
O Espírito equipa para uma correta tarefa profética, já não mais reservada a alguns, mas aberta a todos, sem qualquer distinção de raça, língua, classes sociais, sexo ou idade. O novo povo de Deus, como o antigo Israel, foi formado para testemunhar e vivenciar na terra a missio Dei (missão de Deus): levar a cabo a redenção da humanidade e de toda a criação. Como povo missionário de Deus, a igreja é vocacionada para viver como protótipo do reino, como primícias do reino, dando testemunho, por palavras e atos, daquilo que Deus, no Espírito, está fazendo para salvar sua criação. Como povo missionário de Deus, a igreja se reúne ao redor da Palavra para aprender a amar a Deus e a dar testemunho do evangelho do Reino em todo o mundo. O reunir-se da igreja só faz sentido após o espalhar-se missionário do povo de Deus. As ordenanças, ou sacramentos, só fazem sentido nesse movimento dinâmico de sair e voltar – sair para testemunhar, voltar para celebrar e aprender para novamente sair ao mundo dando testemunho do evangelho.

A Igreja: povo carismático de Deus
Na tradição paulina do Novo Testamento, a natureza missionária da igreja é descrita mediante a terminologia da graça – a igreja, corpo de Cristo, é a comunidade carismática do Espírito (caris, em grego, é “graça”. De caris, deriva carisma, efeito da graça, dom, dádiva, “carismática” é a comunidade caracterizada pela graça e seus efeitos). A natureza da igreja deriva da graça de Deus demonstrada em Cristo Jesus. O carisma fundamental da igreja é o presente da salvação e da comunhão com Deus. Desse carisma fundamental derivam todos os demais carismas (efeitos da graça) recebidos e vivenciados pela comunidade de seguidores de Cristo. Como comunidade da graça de Deus, a igreja é missionária e realiza sua missão por meio da diversidade dos dons, dos serviços e das manifestações da plena graça de Deus em sua vida. Como comunidade carismática, a igreja tem um único Senhor: Jesus Cristo. Ele é o cabeça do corpo, da igreja. Não somente o cabeça, entendido como líder, mas a cabeça – fonte de vitalidade, energia, direção, unidade e ação para todo o corpo. Sob o senhorio de Cristo, a multiplicidade dos carismas pode ser vivenciada sem romper a unidade do povo de Deus. Como comunidade carismática das pessoas batizadas no Espírito, o exercício dos carismas não pode ser dissociado da prática do amor e da santidade. Sem os carismas, não há edificação da igreja, sem edificação da igreja, não há crescimento no fruto do Espírito e na santidade. Sem a frutificação do Espírito, os carismas não servem para a edificação; não edificando o corpo, os carismas não são manifestações do amor gracioso de Deus, e a igreja não cresce adequadamente em quantidade e qualidade. Como comunidade carismática, a igreja não perde sua vinculação com a humanidade. Em outras palavras, os dons, os serviços e as manifestações da Trindade não podem ser entendidos de forma dissociada dos talentos e das capacidades que, no ato criador, Deus outorga a cada uma de suas criaturas. Conseqüentemente, tudo o que a igreja faz – oração, adoração, educação, organização, evangelização, comunhão e serviço – é expressão da graça de Deus e deve ser realizado na força e sob direção do Espírito Santo, e isso significa que será realizado mediante a cooperação de cada membro, cujo carisma está a serviço da edificação de todo o corpo. É a energia do Espírito, é a santidade do Espírito, é o amor do Espírito que se concretizam o senhorio de Cristo e a soberania do Pai entre o povo de Deus. Mediante o exercício da diversidade dos carismas, na unidade da fé e na mutualidade do amor, a igreja se realiza como comunidade carismática que dá testemunho da missão salvífica do Deus trino e uno.

Reformando a institucionalidade da Igreja
Se a Reforma protestante apresentou principalmente a correção de rumos teológicos da igreja, os avivamentos representaram as correções de rumos comportamentais da igreja e os movimentos de renovação pentecostal e carismática representaram as correções de rumos na dinamicidade da experiência da igreja, ainda necessitamos concretizar a reforma da institucionalidade da igreja – apenas iniciada com a Reforma protestante e seu conceito de sacerdócio universal dos santos, mas jamais concretizada nas denominações protestantes em sua plenitude. A linguagem do poder tem sido então, a linguagem predominante quando se trata de ministérios, e mesmo nas tradições pentecostal e carismática a linguagem do poder é mantida, conquanto se fale mais no poder do Espírito do que no poder eclesiástico. A dádiva do Espírito à igreja é a dádiva da energia, da força para realizar a vontade de Deus, e não a dádiva de um poder político, ordenador, institucionalizante. “Ministrar” significa “servir”, e não “comandar”. Ministro é a pessoa que serve não a pessoa que domina. Ministério é o serviço prestado, e não o cargo superior alcançado. Entretanto, como ainda vivemos no tempo escatológico e o pecado não se eliminou completamente, é necessário um mínimo de subordinação a fim de ajudar a evitar que pessoas se apossem do poder na igreja e o exerçam de forma tirânica, bem como a fim de evitar a falta de harmonia na comunidade missionária. Mais importante do que a forma do governo eclesiástico, porém, é a maneira como o poder é exercido nessa forma de governo. Assim, em quaisquer das formas tradicionais de governo da igreja, se deverão buscar meios, leis e mecanismos que favoreçam o carisma e restrinjam a sede da instituição em abocanhar tudo que vê pela frente. Em segundo lugar, essa compreensão exige que se repense o conceito de ordenação e sua vinculação com as estruturas de poder denominacional. Essa, sim, é uma mudança complexa e urgente a ser pensada e realizada pelas igrejas; senão, o sacerdócio universal continuará sendo uma bela expressão doutrinária, mas sem nenhuma realidade concreta na vida da igreja.

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Esse texto de Julio Zabatiero é muito rico em seu conteúdo. Em minha opinião tudo o que ele escreveu é necessário para a vida na Igreja. Se a maioria dos Cristãos entendesse por que somos salvos, acredito que muitas coisas poderiam ser diferentes na humanidade de forma geral.

Para alguns, como argumenta o autor, querem o poder, e por isso, apresentam posturas distintas em sua administração eclesiásticas. Os que não têm o poder permanecem em determinados grupos até alcançar seus objetivos.

Todavia não podemos negar que o Espírito Santo está agindo mesmo nestas situações. Mas, tudo poderia ser diferente. Menos sofrimento para alguns fiéis e até mesmo para alguns líderes.

O autor é assertivo quando fala sobre o carisma da Igreja, entre outros pontos, mas creio que neste ponto em especial, está as possibilidades para as mudanças. Se não vivermos o “presente” da salvação, enfrentaremos cansaço e stress, no lugar de “servir ao Senhor com alegria”.

Acredito que, de forma geral, estamos equivocados com o que é realmente ser Igreja de Cristo, nos tempo de hoje. Deus está dando um tempo “considerável” para descobrirmos o que isso significa, no entanto, grande maioria dos crentes ainda não compreendeu.

Também concordo quando o autor fala sobre Reforma, mas muitas mudanças deveriam acontecer além das questões do sacerdócio universal. O próprio retorno para a Palavra de Deus. Quantas Igrejas estão suprimindo o estudo aprofundado sobre as escrituras, vivendo da superficialidade contemporânea.

Precisamos como crentes em Cristo, e não, crentes nas instituições, “reconstruir nosso altar espiritual”, buscando a cada momento, pela ação o Espírito Santo que age em nós, entender nosso papel na sociedade e nosso papel no Corpo de Cristo. Como Igreja, precisamos viver um Evangelho mais simples... Aliás, entendemos que o Evangelho é simples, mas a cada dia, complicamos um pouco mais.

O Apóstolo Paulo diz na carta de Romanos, cap. 12, vs, 1 e 2: “não vos conformeis... mas transformai-vos...”
Há ações humanas e há ações de Deus.
As humanas estão cada vez mais colocando Deus para fora da Igreja...
Mas, graças ao Bom Deus, Ele está agindo mesmo com todas as nossas dificuldades.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: O Evangelho do Reino de Deus para os Pobres

O Evangelho do Reino de Deus para os Pobres
MOLTMANN, J. O caminho de Jesus Cristo. Petrópolis: Vozes, 1992, pp. 137-164.
Por Claudecir Bianco – 27/04/2010

Os evangelhos apresentam a história de Jesus à luz de sua missão messiânica inaugurada por seu Batismo. Sua missão abrange sua proclamação e seu agir, seu agir e seu sofrimento, sua vida e sua morte.

No Antigo Testamento, anunciar o evangelho significa anunciar uma mensagem alegre, a vitória, a salvação. Quem anuncia felicidade é portador de felicidade e é honrado como tal.

O profeta Dêutero-Isaías deu conteúdo messiânico ao termo evaggelizein: o profeta anuncia ao povo no cativeiro babilônico um êxodo novo, escatológico da escravidão para a permanente terra da liberdade, pois com sua obra de salvação o próprio Javé assumirá o trono e estabelecerá seu reino sem fim.

O Evangelho é o prenúncio da salvação. O Evangelho é início da epifania do Deus vindouro em forma de palavra. O Evangelho não é uma descrição utópica de um futuro distante, mas a irrupção desse futuro na palavra que promete e liberta.

Seu público são os pobres, miseráveis, doentes e desesperançados como aqueles que mais sofrem sob o afastamento de Deus e a inimizade dos homens.

O Evangelho do reino de Deus é o Evangelho da libertação do povo: quem anuncia o futuro de Deus, esse traz a liberdade ao povo.

Reino de Deus e nova criação
Quem ressalta o senhorio de Deus tem em mente o presente e atual domínio de Deus. O atual domínio de Deus pode ser experimentado hoje na libertação dos presos e na cura dos doentes, na expulsão dos demônios e no erguimento dos humilhados.

Deus governa na História por meio do Espírito, Palavra, liberdade e obediência. Seu domínio encontra resistência, contradições e adversários. É um domínio controvertido e oculto na controvérsia. Por isso ela está programada, de si própria, para a perfeição no futuro no qual Deus governa irrestritamente e quando será tudo em tudo em sua glória.

O agir libertador de Deus deve, por isso, ser entendido como a imanência do reino escatológico de Deus, e o reino vindouro deve ser entendido como a transcendência do atual domínio de Deus. O domínio de Deus é o presente de seu reino, e o reino de Deus é o futuro de seu domínio.

Por fim, com a ressurreição de Cristo começa a nova criação, pars pro toto, no Crucificado.

A dignidade dos pobres
Por um lado, a justiça de Deus é descrita como direito da comiseração com os mais miseráveis, por outro, o futuro do reino de Deus irrompe entre aqueles que mais sofrem sob violência e injustiça dos homens, os pobres.

O Evangelho é realista e não idealista. Por isso está em primeiro plano para Jesus a preocupação com pobreza, doença, possessão demoníaca, abandono, e não a preocupação com as doutrinas dos fariseus e saduceus.

Os “pobres” são as “não pessoas”, os “sub-homens”, os desumanizados, “material humano”.

O “rico” tem o poder (Lc 14-54). Pode barganhar o trigo e fazer subir os preços, e assim tornar os pobres ainda mais pobres.

O Evangelho não apenas leva o reino de Deus aos pobres, mas também descobre o reino dos pobres, que é o reino de Deus.

Portanto, quem anuncia o Evangelho aos pobres faz parte dos pobres e ele próprio se torna pobre na comunhão deles.

Sua confiança está inteiramente voltada para Deus, por isso não se preocupam com nada.

O Evangelho não lhes traz nem feijão nem arroz, mas sem dúvida, a certeza de sua dignidade indestrutível aos olhos de Deus.

A interiorização do sistema de valores dos dominantes pelos pobres é um sério empecilho para sua autolibertação. Ela torna a pobreza autodestruidora e produz ódio próprio nos pobres.

Deus, porém, lhes abriu um futuro e os fez herdeiros de seu reino vindouro. Se essa esperança se espalhar, então esse futuro se torna a autoridade de sua libertação e a fonte de sua graça.

Os pobres se tornam filhos de Deus neste mundo violento e injusto. O reino de Deus se torna o “reino messiânico dos pobres”.
Somente na comunhão dos pobres abre-se o reino de Deus para os outros.

Libertação por conversão
Jesus anuncia o reino de Deus aos pobres incondicionalmente e os declara bem-aventurados, porque ele já lhes pertence. Aos ricos, porém, o Evangelho do reino se depara como chamado à conversão (Mc 1.15 par).

Conversão realiza essas novas possibilidades abertas por Deus. Começa-se a vida verdadeira já agora que virá para toda criação com o reino de Deus.

Conversão influencia as pessoas e as circunstâncias nas quais as pessoas vivem e sofrem, portanto, o modo de vida pessoal e comunitário da mesma forma como os próprios sistemas de vida nos quais os modos de vida estão ordenados.

Conversão acontece como o discipulado de Cristo, integralmente, “de todo coração, de toda alma e com todas as forças”, como o amor de Deus (Dt 6.5), ou então ela não ocorre.

Cura dos enfermos – expulsão dos demônios
O domínio de Deus expulsa da criação os poderes da destruição, os demônios e ídolos, e sara as criaturas por eles machucadas. Se vem o reino de Deus como Jesus anuncia, então também vem a salvação. Se vem a salvação de toda a criação, então também vem a saúde das criaturas em corpo e alma, no indivíduo e na comunhão, nos homens e na natureza.

Cura e exorcismo
Não se deve entender cura e exorcismo como fenômenos exorbitantes isolados, mas relacionados à missão messiânica de Jesus.
Onde quer que Jesus expulse espíritos de pessoas possessas, essas “saram”, recobram a “razão” e tornam-se livres para a autodeterminação (Mc 5.15).

O Messias redimirá a ambos: expulsará os poderes da destruição de pessoas, para que pessoas recobrem a liberdade, a saúde e a razão. Ele redimirá esses mesmos poderes do serviço da destruição e os recolocará a serviço do Criador (Ef 1.20-23; Cl 1.20).

“A salvação” é então o resumo de todas as curas. Se ela está contida no domínio de Deus, então ela é tão abrangente como o próprio Deus e não pode ser reduzida a áreas parciais da criação.

“Salvação é uma grandeza que inclui integridade e bem estar dos homens, salvação para o totus homo, não simples salvação da alma para o indivíduo”.

Cura de doenças e perdão dos pecados são necessários e não podem ser reduzidos uma ou outro. Não obstante, existe uma diferença que não se pode esquecer, apesar de toda a ênfase da totalidade da salvação que tem sua origem no poder de Deus: a cura supera a enfermidade e cria saúde. No entanto, ela não vence o poder da morte. A salvação em sua consumação, porém, é a destruição do poder da morte e o ressuscitamento do homem para a vida eterna.

Assim como a cura supera a doença, assim a salvação supera a morte. Sendo qualquer doença um prenúncio da morte de ameaça à vida, toda cura é um prenúncio vivo da ressurreição.

Nesse sentido a salvação tem dois aspectos, um aspecto pessoal e outro cósmico. Paulo denomina o aspecto pessoal de “a ressurreição dos mortos”, e o aspecto cósmico denomina de “a destruição da morte”.

Os demônios apenas receberam outros nomes. Não é preciso crer num mundo dos espíritos próprio, independente para reconhecer a destruição de vidas humanas pelos poderes da destruição.

O verdadeiro problema teológico das histórias de curas de Jesus é levantado por sua paixão e por sua impotente morte na cruz: “A outros salvou, que salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito” (Lc 23.35). Justamente isso, porém, Jesus não pode, é claro. O “poder” curador que dele emana, e a “autoridade” que ele tem sobre os demônios, não lhe foram conferidos para uso próprio, mas apenas em benefício de outros.

Conseqüentemente, Jesus não cura somente através de seu “poder” e de sua “autoridade”, mas também por meio de seu sofrimento e sua impotência.

Quando doentes são demonizados, como por exemplo, aidéticos, então são excluídos da sociedade e condenados à morte social. Hoje, o primeiro passo para a cura dos doentes seria justamente a desdemonização de enfermidades, na medida em que suas relações sociais são preservadas e sua dignidade humana é reconhecida de forma permanente.

Fé que cura
Onde há fé, o poder que emana de Jesus opera milagres. Onde falta a fé, como em sua cidade natal Nazaré, nada pode fazer.

Sob “fé” não se deve entender apenas uma confiança cordial, mas também uma busca e vontade das respectivas pessoas.

O divino poder de cura não parte unilateralmente dele. Ele também não é, simplesmente, “sua ação”, como e quando quiser. Onde Jesus e fé se encontram nessa reciprocidade, as coisas podem acontecer.

Aceitação dos marginalizados - erguimento dos humilhados
Por meio da aceitação dos “pecadores” e “publicanos” e das prostitutas Jesus não justifica o pecado, a corrupção ou a prostituição, mas rompe o circulo vicioso de sua discriminação no sistema de valores dos justos. Com isso também liberta potencialmente os “justos” da coerção da justiça própria, e os “bons” da posse do bem.

Na história de Zaqueu (Lc 19.1-10) Jesus entra na casa “de um pecador”, para escândalo das pessoas de bem, e declara que, com isso, “hoje houve salvação nesta casa”.

Chama a atenção o fato de Jesus perdoar os pecados incondicionalmente – sem confissões de pecados e sem obras expiatórias substitutivas.

O reino de Deus, porém, que Jesus anuncia e demonstra com sua vivência com pobres, doentes, pecadores e publicanos, não apenas traz o domínio de Deus sobre sua criação, mas também a grande ceia de alegria dos povos: “Javé dos Exércitos prepara para todos os povos, sobre esta montanha, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carne suculenta, de vinhos depurados.

Remissão dos pecados e comer e beber no reino de Deus são dois lados da mesma coisa; como também o mostra o retorno do “filho perdido” (Lc 15.22).

O partir do pão e o beber do vinho representam o reino de Deus na forma do corpo entregue “por nós” e do sangue de Cristo derramado “por nós”.

Aquele que traz a dignidade do reino de Deus aos pobres e que revela aos pecadores e publicanos a justiça justificadora de Deus é também o “hospedeiro” messiânico que convida os famintos para comerem e beberem no reino de Deus e que lhes demonstra a comunhão de mesa de Deus.

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Particularmente esse tema me atrai muito. Desde muito cedo em minha caminhada com Cristo, percebi que seguir a Cristo é muito mais do que tudo o que eu já tinha escutado sobre ele.

Pude perceber que Deus nos chama, nos restaura e nos comissiona para anunciarmos esta mensagem de libertação aos pobres. Apesar de ser algo concreto para mim, posso observar que não são todos os crentes que chegaram neste entendimento.

Muitos buscam apenas coisas para si mesmos.
O texto é realmente fascinante. À medida que se avança na leitura, pode-se observar o distanciamento que estamos das palavras em nossas Igrejas.

Não me recordo qual foi a última vez que ouvi alguma mensagem com este conteúdo. No entanto, quando prego sobre isso, parece que estou falando para o vento, parece que são coisas que a maioria das pessoas não quer ouvir.

Acredito que há certos equívocos relacionados com o que é realmente ser Cristão. Quando lemos em João 10.10b. a afirmação de Jesus “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”, muitas pessoas imaginam que receberam a salvação apenas para desfrutar de “benefícios” dados por Deus. Pensam que têm um “deus dentro uma garrafa”, que está ali, pronto para satisfazer seus desejos, suas ambições. Sabem, todavia, que Cristão nos dá vida em abundância, para o presente, mas não é somente no sentido material.

Ele nos dá vida, para que anunciemos vida. Ele nas dá a Salvação, para que anunciemos a Salvação.

Todos os pontos abordados por Moltmann fazem sentido para a Igreja no dias de hoje, e na verdade, nunca deveriam cair no esquecimento.

Quando a Igreja anuncia o Evangelho de transformação, o Senhor da Igreja é glorificado e seu Reino é estabelecido.
Quando anunciamos o Cristo ressuscitado, anunciamos a restauração de vidas.

Se deixarmos de lado essa tarefa seremos negligentes com a Missão que nos foi confiada.

Será que já não estamos sendo?

Que o Senhor nos ajude e nos oriente para que sejamos fiéis a Ele e portadores das Boas Novas, como diz Moltmann: “Quem anuncia felicidade é portador de felicidade e é honrado como tal.”

Reflexão teológica sobre o texto: As doutrinas da natureza humana, do pecado e da graça.

MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, pp. 503-517.
Por Claudecir Bianco – 27/04/2010

No texto de Teologia Sistemática, histórica e filosófica, precisamente no capítulo 14que trata sobre As doutrinas da natureza humana, do pecado e da graça, o autor Alister Mcgrath, procura responder aos leitores a seguinte questão: O que os seres humanos devem fazer para compartilhar da salvação que se manifestou e se tornou possível por intermédio da morte de Cristo na cruz? Afirma haver, na tradição cristã, uma ligação muito próxima entre a doutrina da salvação e a doutrina da graça. Sua proposta então, neste capítulo, a partir do questionamento principal, é de analisar cada uma destas doutrinas mais detalhadamente.

Apesar de o autor ter aprofundado seus comentários pertinentes a este assunto, este material se limitou refletir apenas os conteúdos das páginas 503 à 517.

Neste conteúdo, Alister dividiu sua exposição em três subtítulos que são: O lugar da humanidade na criação; A controvérsia pelagiana e Os conceitos da graça e do mérito.

No primeiro subtítulo, afirma que a tradição cristã enfatiza que humanidade é o apogeu da criação de Deus. Em Gênesis 1.27, apresenta o ser humano como alguém criado à imagem e semelhança de Deus, uma expressão latina imago Dei. Mas, pergunta ainda: qual é o significado dessa locução? Segundo o autor, no período patrístico, havia uma distinção entre duas expressões: “à imagem de Deus” e “à semelhança de Deus”.

Para Tertuliano, a humanidade continuou refletindo a imagem de Deus, mesmo após a Queda, mas poderia ser, novamente, semelhante a Deus por meio da ação restauradora do Espírito Santo.

Orígenes adotou um pensamento similar, dizendo que “à imagem de Deus” refere-se à humanidade após a Queda, enquanto o termo “à semelhança de Deus” refere-se à natureza humana após seu aperfeiçoamento na consumação final.

Uma terceira posição, neste período, era a que interpretava “à imagem de Deus” como algo relacionado à razão humana, como capacidade racional que refletiria a sabedoria de Deus.

Agostinho defendia essa posição por entender que o elemento central da natureza humana é sua capacidade, concedida por Deus, para relacionar-se com ele. Embora esta natureza humana tenha sido corrompida pela queda, ela pode se transformada pela graça. O fato da humanidade ter sido criada à imagem e semelhança de Deus é um fator responsável pela virtude e dignidade originais da natureza humana.

Para Lactantius havia um enfoque político. Essa mesmo doutrina, da criação à imagem de Deus, também foi vista como algo diretamente relacionado à doutrina da redenção.
Atanásio enfatiza que Adão e Eva poderiam desfrutar de um perfeito relacionamento com Deus, desde que não fossem atraídos pelo mundo material.

Cirilo de Jerusalém enfatiza que não havia necessidade alguma de Adão e Eva terem perdido esse estado de graça, no entanto, a imagem de Deus na natureza humana foi desfigurada e que assim, toda a humanidade compartilha desse problema relacionado à descaracterização da imagem de Deus.

Segundo Alister deveríamos, observar que os escritores gregos do período Patrístico não expressaram esse aspecto por meio da doutrina do pecado original, como faria Agostinho mais tarde. Alguns escritores gregos entendiam o fato de que o pecado se originou do abuso do livre arbítrio.

Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa pregaram que as crianças nasciam sem pecado, uma idéia que se opõe à doutrina do pecado universal de uma humanidade caída.

Crisóstomo, referindo-se à declaração de Paulo, de que muitos foram feitos pecadores por intermédio da desobediência de Adão (Romanos 5.19), interpreta que essa passagem significa que todos se tornaram sujeitos à punição e à morte.

O autor passa a descrever sobre o segundo ponto que é A controvérsia pelagiana. Essa controvérsia concentrou-se em torno de dois indivíduos: Agostinho de Hipona e Pelágio. Para Agostinho, negar a soberania de Deus quanto a liberdade humana representaria comprometer seriamente a compreensão cristã sobre o modo como Deus justifica o homem.

No entanto, no tempo de Agostinho havia muitas heresias que reduziam o evangelho. Uma delas era o maniqueísmo, que defendia a total soberania de Deus, mas negava a liberdade humana; a segunda heresia, o pelagianismo, defendia o total livre arbítrio do ser humano, ao mesmo tempo em que negava a soberania de Deus. O termo “livre arbítrio” não é bíblico, mas originário do estoicismo, destaca o autor. Agostinho conservou o termo, mas procurou dar a ele um significado mais próximo ao entendimento de Paulo, ao ressaltar as limitações impostas pelo pecado ao livre arbítrio. Ele afirma a existência da inerente liberdade humana, declara que o livre arbítrio foi debilitado e enfraquecido - mas não totalmente eliminado ou destruído - pelo pecado. Para que o livre arbítrio seja restaurado e recuperado, é necessária a atuação da graça de Deus. O livre arbítrio realmente existe; entretanto, ele se encontra debilitado pelo pecado. Agostinho utilizava a seguinte analogia para explicar essa questão. Pense em uma balança com dois pratos. Um dos pratos é utilizado para pesar o bem, e o outro prato, o mal. O livre arbítrio inclinou-se para o lado do mal. Agostinho, argumenta que os pecadores, na verdade, possuem o livre arbítrio, mas que este livre arbítrio se encontra corrompido pelo pecado.

Para Pelágio, (assim como para Juliano de Eclanum) a humanidade possuía total liberdade de escolha e era totalmente responsável por seus pecados. A natureza humana era essencialmente livre e bem constituída, e não corrompida e debilitada por certas inclinações escusas. De acordo com Pelágio, qualquer imperfeição que fosse atribuída ao homem refletiria negativamente sobre a bondade de Deus. Voltando à analogia da balança, os pelagianos argumentavam que o livre arbítrio era como o par de pratos da balança em estado de perfeito equilíbrio, que não estavam sujeitos a qualquer tipo de inclinação. Pelágio declara de forma inflexível que “uma vez que a perfeição é possível para a humanidade, ela é obrigatória”.

Sobre a natureza do pecado, Agostinho compreendeu o fato de que a humanidade nasceu com uma disposição para o pecado, com uma inclinação natural para o pecado, a qual faz parte de sua natureza. Em outras palavras, o pecado é a causa do pecado: a condição pecadora do ser humano é a causa dos pecados de cada um de nós. Agostinho desenvolveu essa idéia por meio de três importantes analogias: o pecado original como “doença”, como “força” e como “culpa”.

Para Pelágio, a idéia da predisposição humana para o pecado não tem lugar em seu pensamento. Para ele, a capacidade humana de alcançar a perfeição não poderia ser vista como algo que fora comprometido pelo pecado. Para o pensamento pelagiano a humanidade nasce pura, sem pecado, e somente peca por meio de atitudes deliberadas.

Sobre a natureza da graça, o autor diz que, de acordo com o ponto de vista de Agostinho, somos realmente dependentes de Deus para nossa salvação, desde o começo até o fim de nossas vidas. Deus não nos abandona no lugar em que naturalmente nos encontramos, incapacitados pelo pecado e incapazes de nos salvar, mas concede-nos a graça para que possamos ser curados, perdoados e restaurados. A graça, de acordo com Agostinho, é um favor generoso e totalmente imerecido que Deus concede à humanidade, por meio do qual esse processo de restauração pode ser iniciado.

Pelágio, no entanto, usou o termo “graça”, mas interpretou-o de uma maneira bastante diferente. Primeiro, a graça deve ser entendida como uma das faculdades inerentes do ser humano. Para ele, essas faculdades não estão corrompidas, incapacitadas ou comprometidas de modo algum. Pelágio entendeu a graça como uma luz divina concedida à humanidade. Somos capacitados a evitar o pecado por meio dos ensinamentos e do exemplo de Jesus Cristo. Deus não exige apenas que os seres humanos sejam perfeitos; ele fornece certas orientações específicas sobre o tipo de perfeição exigida – como, por exemplo, obedecer aos Dez Mandamentos e tornar-se semelhante a Cristo.

Agostinho argumenta que isso era o mesmo que “restringir a graça de Deus à lei e ao ensino”. O Novo Testamento, de acordo com ele, via a graça como uma ajuda divina ao homem, e não como uma orientação moral apenas.

Para Pelágio, a graça era algo externo e passivo que se encontrava fora de nós. Agostinho entendia a graça como a verdadeira e redentora presença divina em Cristo que atua dentro de nós, transformando-nos: ele a entendia, portanto, como algo interno e ativo.

Para Pelágio, a humanidade precisava apenas ser orientada sobre aquilo que deveria fazer, podendo-se, portanto, deixar que alcançasse sua restauração por sua própria conta e risco; para Agostinho, a humanidade precisava ser orientada sobre o que fazer e, depois, gentilmente auxiliada em cada fase, se houvesse a menor intenção de que ela ao menos se aproximasse, quem dirá alcançasse, sua restauração.

Sobre o fundamento da salvação; Alister diz que, para Agostinho, a humanidade é justificada por um ato de graça; mesmo suas boas ações são resultado da ação de Deus no interior da natureza pecadora do homem e que o fundamento de nossa justificação é a promessa divina de graça feita a nós.

Para Pelágio, entretanto, a justificação do homem fundamenta-se em seus méritos: suas boas ações são resultados do exercício de um livre arbítrio, totalmente autônomo, no cumprimento dos deveres estabelecidos por Deus. A falha em cumprir com esses deveres abre as portas da ameaça de punição eterna para o ser humano pecador.

No Sínodo de Arles, foram condenadas, por um lado, uma série de proposições que eram de natureza claramente pelagiana, ao passo que, por outro lado, validava outras, de natureza mais agostiniana.

Sobre os conceitos da graça e do mérito, Alister no diz que, o termo “graça” (gratia) apresenta uma ligação com a idéia de “presente”. Essa idéia teve início com Agostinho, que destacou a noção de que a salvação é um presente de Deus, e não uma recompensa. Uma tensão entre as idéias de “graça” e “mérito”, pelo fato de a primeira ter relação com a idéia de um presente e a última, com a idéia de uma recompensa. A questão, na verdade, é bem mais complexa do que isso e merece ser objeto de uma discussão minuciosa, segundo o autor.

Aliste, passa a discorrer sobre a graça. A graça é entendida como uma força libertadora, que livra a natureza humana da escravidão do pecado a que está sujeita. Agostinho usa o termo o “livre arbítrio cativo” para descrever o livre arbítrio que é tão fortemente influenciado pelo pecado, assim como argumentou que a graça é capaz de libertar o desejo humano de suas inclinações e de conceder ao homem o “livre arbítrio liberto”. Agostinho conseguiu defender a perspectiva de que a graça, longe de eliminar ou comprometer o livre arbítrio do ser humano, é, na verdade, aquilo que torna possível sua existência. Essa graça é entendida como o fator responsável pela restauração da natureza humana. Uma das analogias favoritas de Agostinho para a igreja é a de um hospital repleto de pessoas doentes, que reconhecem o fato de estar doentes e procuram a ajuda de um médico, para que possam se curar. Assim, ele alega, com base em ilustrações como esta, que o livre arbítrio humano não é saudável e precisa ser curado.

Ao explorar as funções da graça, Agostinho elaborou três noções essenciais, que têm tido um grande impacto sobre a teologia ocidental.
1- A graça preveniente – está defendendo sua posição característica de que a graça de Deus está atuando na vida do ser humano antes mesmo da conversão. A graça preveniente de Deus está viva.
2- A graça operativa – Deus opera a conversão dos pecadores sem que haja a menor participação deles. A conversão é um processo puramente divino, no qual Deus age sobre o pecador.
3- Graça cooperativa – Tendo alcançado a conversão do pecador, Deus agora colabora com a renovada disposição do ser humano, no sentido de conseguir se transformar a crescer em santidade. Tendo libertado a vontade humana do jugo do pecado, Deus agora pode cooperar com essa vontade liberta.

Os teólogos do início da Idade Média consideravam o termo “graça” como uma forma abreviada dos termos benevolência ou liberalidade de Deus. Tomás de Aquino traça uma distinção fundamental entre dois tipos diferentes de graça:
1- A graça verdadeira, que é dada gratuitamente, uma série de ações ou influências de Deus sobre a natureza humana.
2- A graça habitual, feita por contentamento, um hábito criado no interior da alma humana. Em outras palavras, “ter a graça de Deus” é gozar do favor de Deus. A idéia de “graça habitual” tornou-se objeto de intensa crítica, no final da Idade Média.

Guilherme de Occam, armado de sua famosa “navalha”, começou a eliminar as hipóteses desnecessárias de cada área da teologia. Seu argumento era tão convincente que, ao final do século XV, a noção da graça habitual se encontrava bastante desacreditada. Pouco a pouco, a graça passou a ser entendida como “o favor gracioso de Deus” - isso é, como uma atitude divina, e não uma substância.

Finalmente, sobre mérito, Alisten afirma que a controvérsia pelagiana chamou a atenção para a hipótese da salvação ser uma recompensa por bom comportamento ou um dom gratuito de Deus. Assim houve a necessidade de maior esclarecimento do termo “mérito”.

Segundo o autor, no período medieval, até a época de Tomás de Aquino, havia-se chagado a um consenso sobre os seguintes pontos:
1- Não existe, modo algum pelo qual os seres humanos possam reinvidicar salvação como uma “recompensa”, fundamentando-se estritamente na justiça. A salvação é um ato da graça de Deus. A visão de que os seres humanos pudessem ser capazes de obter a salvação por meio de mérito próprio foi rejeitada, sendo encarada como pelagianismo.
2- Os pecadores não podem conquistar a salvação, pois não há nada que eles possam alcançar ou fazer que obrigue Deus a recompensá-los com a fé ou a justificação. A graça de Deus opera nos pecadores para que se convertam e essa mesma graça coopera com eles para trazer-lhes crescimento em santidade. E é essa cooperação que leva ao mérito.
3- Há diferenças entre os dois tipos de méritos: o coerente e o devido. O coerente baseia-se na liberdade de Deus ao ponto que o mérito devido é aquele que se justifica com base nas atitudes morais de um determinado indivíduo.

Nesse contexto de consenso geral acerca da natureza do mérito, surgiu, no final da Idade Média, um debate sobre a causa fundamental do mérito, podendo-se perceber a presença de duas correntes contrárias. O debate ilustra o crescimento da influencia do voluntarismo, ao final da Idade Média. A corrente mais antiga, que podemos descrever como intelectualista, segundo o autor, é representado por Tomás de Aquino. Ele defendeu a existência de uma relação diretamente proporcional entre o valor moral e o valor meritório de uma ação praticada por um cristão. O intelecto divino reconhece o valor intrínseco a uma ação e a recompensa conforme esse valor. Finaliza Alister.

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O autor é bem objetivo em suas argumentações o que faz com que seu texto não seja cansativo. Aborda, sem dúvidas, pontos que são confusos para muitos cristãos.

Apesar de alguns destes pontos serem comumente aceitos por alguns, não são discutidos com profundidade nas Igrejas.

Se partirmos para uma conversa um pouco mais aprofundada sobre eles, possivelmente encontraremos muitas dúvidas e, o que é pior, em minha opinião, obteremos respostas contrárias às conclusões sobre a graça, salvação, pecado etc.

Grande parte dos cristãos não buscam conhecer melhor suas crenças e suas origens, por entenderem que é suficiente o cumprimento de seu papel com a Igreja e freqüência nos cultos.

Vivem, portanto de fragmentos da Palavra de Deus, muitas vezes, vindos de púlpitos vazios. Há que se pensar em mudar esta situação.

Pontos como os destacados pelo autor são fundamentais na concepção do cristianismo, deveriam ser constantemente abordados nas igrejas, mas alguns podem pensar que afastaria os que pensassem diferente.

Isso já seria um sinal que estamos vivendo um cristianismo superficial. Estamos vivendo como os Judeus no tempo de Jesus, quando este os repreende dizendo: “Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus.” Mateus 22.29.

Por tempos estamos deixando de dedicar tempo para conhecer as Escrituras. Nós, como povo de Deus precisamos ser como os de Beréia, descrito em Atos 17.11. “Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.”

Não há cristianismo sem as verdades de Cristo serem aplicadas na prática.
Não há salvação se não for pela Graça, não há cristianismo se não houver a Palavra do Pai e não há como usufruir dessa graça se não houver fé.

Apesar de muitos buscarem os caminhos mais largos, observa-se que o que estão encontrando são mentiras e frustrações.

Precisamos, urgentemente, rever nossos conceitos e buscar compreender mais sobre o plano maravilho de Deus para a humanidade, assim como fez Alister.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Deus como Criador e o Mundo como Criação.

BERKHOF, Hendrikus. “Deus como criador e o mundo como criação” In: MCKIN, D. K. (ed.). Grandes temas da tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1998, pp. 63-70.
Por Claudecir Bianco

No texto “Deus como Criador e o Mundo como Criação”, Hendrikus Berkhof traz conceitos interessantes para alguns e blasfemos para outros. Para descrever sobre este assunto, o autor divide o título principal em dois subtítulos. O primeiro trata de “Deus como criador” e, o segundo “o mundo como criação”.

Na primeira parte, começa sua narrativa com a afirmação que a maioria dos cristãos ouvem desde muito cedo em sua caminhada, que “o Deus que encontramos na revelação de Israel e em Cristo é o criador do mundo”. Descreve que, Deus com amor santo em seus atos de criação e promessa ao homem não combina com a realidade do mundo. Seria uma contradição para alguns, afirmar tal sentença. Afirma que na revelação de Deus, está presente a promessa da salvação e da libertação. E esta libertação não estaria fora da existência e nem seria uma fuga do mundo, mas sua redenção de forma geral. Segundo o autor, falar da salvação significa dizer purificação do mundo e a elevação deste, a um nível superior. Afirma categoricamente que essas identificações provocam tensões para a fé de alguns e problemas para o intelecto de outros, mas ainda assim, a crença no criador, segundo ele, está distante de ser algo evidente à sua criatura. Relata que na fé cristã é encontrado pontos conflitantes com o dia a dia das pessoas, como por exemplo, na confissão do credo apostólico: “Creio em Deus Pai, criador do céu e da terra.” Diz que a vontade de Deus não é algo arbitrário e sim uma expressão do ser de Deus como amor santo e por ser vontade de Deus, ela é, ao mesmo tempo, irredutível. Afirma que o mundo criado é um mundo imperfeito, uma realidade que acontece no tempo e, este mundo procede de um Deus perfeito e eterno, assim, ele pergunta: Como podemos atribuir a Deus aquilo que é temporal e imperfeito? No entanto as respostas poderiam ser somente em pensamentos de categorias de tempo e espaço e que assim, seria insuficiente para a compreensão de Deus. Afirma haver uma iniciativa divina que leva ao encontro, do criador com os seres humanos, e não há alguma possibilidade que proceda de duas direções. Isso é comprovado quando se afirma que o mundo foi criado do nada. Ainda nesta primeira parte o autor afirma que o mundo tem somente um fundamento: a vontade de Deus, que é santo amor, e é por isso, que ao anunciarmos a confissão da criação, por estar na Bíblia e, também pelo que se canta na Igreja, esse testemunho toma a forma de um hino de louvor ao Criador. Finaliza esta primeira reflexão afirmando que “A criação é boa porque o criador é bom”.

Em seguida, dá início na segunda parte com o subtítulo: O mundo com criação. Diz haver similaridade do pensamento Teísta sobre a criação do mundo, aos resultados das convicções filosóficas e da ciência natural, especialmente o que está descrito em Gênesis capítulos 1 e 2. Afirma que a cosmovisão cristã, com respeito à redenção acarreta muitas coisas para aquilo que se conhece e o que se tem no mundo, assim, pelo mundo ser de fato criado por Deus, implica que tudo o que nele há é estruturalmente bom e importante. Nada é mau; nada é enganoso; nada é inferior. Diz ainda, que o mundo foi feito propositalmente e que Deus o criou por amor, a fim de que Ele pudesse existir e se desenvolver.

Deus como criador começou uma história com a humanidade; Ele decidiu encontrar-se com os seres humanos como ser humano, por ter novos propósitos. Dessa forma, ao buscar a comunhão e a obediência a Deus, o entendimento deste propósito se torna evidente. Afirma também que o propósito do mundo é o reino de Deus como a plena realização da existência humana através da comunhão com Deus. Quando se aceita o Novo Testamento, pode-se entender a criação como o primeiro de uma série de atos redentores de Deus, análoga à redenção. Dessa forma pode-se crer que o propósito final da criação a partir do aparecimento de Cristo, se torna mais claro. Berkhof afirma ainda que esta criação foi feita para ser elevada, que é real, tem um objetivo e utilidade numa forma radicalmente nova de humanidade em conformidade com a imagem do Cristo glorificado. Em posse desse pensamento o crente deve ambicionar outro mundo, não se conformando com este.

O autor procura trazer ao entendimento do leitor que na atualidade há a necessidade de se pensar numa articulação da crença na criação em termos da interpretação evolucionista do universo. O que até o século passado parecia impossível, pelo pensamento cristão estar ligado à narrativa da criação de forma unilateral de Gênesis, capítulo 1, e, também porque o darwinismo determinístico tradicional dava a impressão de excluir a idéia da criação e que, hoje, segundo ele, estas pressuposições, mutuamente excludentes, foram abandonadas. Berkhof arrisca dizer que atualmente é mais fácil associar a fé cristã com a noção de evolução do que com a visão de mundo estática ptolemaica e, que, para ele, a doutrina da evolução estabelece um grande processo histórico daquilo que chamamos natureza, um processo que conduz ao surgimento do fenômeno da espécie humana, que é contínuo, levando de uma forma nova a um futuro novo e aberto. Descreve que em Gênesis capítulo 1, a criação é apresentada como um processo histórico que consome seis dias – assim, faz a comparação dizendo haver uma forma de processo evolutivo – e que isso, prefigura a história da redenção que se estende rumo ao futuro escatológico. Diz que a aceitação da interpretação evolucionista por parte do crente, o leva a entender que ela (interpretação evolucionista) é a descrição do fenômeno exterior do evento da criação e que possivelmente seria necessário ter outros modelos para falar sobre a origem do universo. No final desta segunda parte, o autor entra num assunto não menos polêmico onde discorre sobre o céu e sua conexão com os anjos. Descreve que na Bíblia, a palavra “céu” traz três significados distintos, mas confluentes: 1- o visível firmamento estrelado; 2- uma realidade criada mais elevada, inacessível à observação humana, onde Deus é louvado e servido; e 3- a esfera ou espaço do próprio ser de Deus. Procura encerrar seus argumentos dizendo que a salvação quer dizer que o céu é ativo em penetrar a terra e que ao falar sobre o céu, quer dizer que o mundo ainda existe num estágio inferior de desenvolvimento. Que a ação de Deus é esperada na terra, e Ele irá levantá-la a um nível de existência superior, em harmonia e comunhão com o modo de existência impregnado por Ele mesmo.

Foi grande o desafio de resumir tão elevado pensamento em poucas linhas por haver muitas ricas argumentações por parte do autor. No entanto, ao mergulhar no texto, observa-se um pensamento que está bem acima dos limitados e tradicionais encontrados em algumas discussões teológicas.

O autor é habilidoso ao levar o leitor a compreender a possibilidade de um Deus, bom e amoroso, criador de um mundo que se consome e que se deteriora a cada momento. Como, um ser supremo poderia realizar coisa assim?

À medida que discorre sobre seus argumentos o entendimento do texto se torna mais claro. Soberania do Criador e dependência da criatura. Plano redentor, por parte de quem cria, e pensamento limitado da criatura.

Há a necessidade de pensar dentro destes conceitos. Nossa teologia não pode e não deve tentar limitar Deus, através de nosso pensamento cognitivo. Quando “damos” a liberdade para Deus ser Deus, podemos ver, tanto a criatura como o Criador de formas muito diferentes dos parcos e limitados pensamentos que somos induzidos a desenvolver.

Devemos pensar a ciência como elemento da mesma criação e não algo que, de alguma forma, deveria trazer comprovação apenas. Os extremos por muito tempo têm causado vários e sérios problemas para a humanidade, e por que não dizer para a Igreja de Cristo.

Ver Deus na criação, mesmo através do processo evolutivo é, para mim, algo de uma grandeza singular. Um desafio sem precedentes, com necessidades de aprofundamentos teológicos e científicos, com lisura e honestidade. Deus é capaz de fazer muito mais do que aquilo que conhecemos, vemos ou ouvimos sobre Ele. Ele é Deus. No entanto, muitas pessoas pensam na soberania de Deus, somente quando está passando por alguma necessidade.

Vivemos num tempo de religião self-service. À medida que preciso, busco. Se precisar de um milagre, Ele pode fazer. Mas ao pensarmos que para Deus não há limites e nem limitações, temos algumas dificuldades.

Precisamos romper com estes empirismos, dentro e fora da igreja e entender que somos apenas criatura, “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10). Acredito que seremos libertos, cada vez mais, quando caminharmos neste sentido. Berkhof nos apresenta um lindo texto, mesmo sendo apenas a ponta de iceberg, nos desafia a aprofundar na leitura e nesta linha de pensamento para honra e gloria do próprio Criador.

Reflexão teológica sobre o texto: O conceito cristão de Deus.

AULÉN, Gustaf. A fé cristã. São Paulo: ASTE, 2002, pp. 112-135.
Por Claudecir Bianco

Deus é amor. Este é o primeiro ponto que Gustaf Aulén passa a descrever para esclarecer o conceito cristão de Deus. Esse amor está no centro de todo o conceito sobre Deus. Para o autor, alguns cristãos, ou, até mesmo a idéia cristã de Deus é um conceito vago e indefinido, mas a fé cristã tem algo de bem definido a dizer a respeito da relação de Deus com os homens e, por conseguinte, a respeito também do caráter, da vontade e da pessoa divina.

Cristo e sua obra definem de maneira decisiva o caráter de Deus, e que, olhando para o Cristo, a fé vê nele o Deus que se dá ao homem. Novamente, isso significa que o caráter fundamental do conceito de Deus é o amor. Segundo o autor o versículo do Evangelho de João que diz: “Deus é amor” resume não só o que é essencial no Novo Testamento, mas também tudo o que se pode dizer quanto ao caráter da idéia cristã de Deus. Nenhum outro “atributo” divino, seja ele qual for, pode ser coordenado com o amor.

Assim, “nada poderá separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus”. O autor sugere um estudo completo e mais aprofundado do conteúdo da fé cristã para identificações mais claras sobre a natureza do amor divino. Esse amor divino é espontâneo, ele contém em si a sua própria causa, não é suscitado por causas externas, mas irrompe por si mesmo. Esse amor é sempre preveniente, por que a natureza de Deus é amar. Diferente do amor “motivado” do ser humano o amor de Deus é espontâneo e “não motivado”, um amor divino que se dá a si mesmo.

A fim de estabelecer comunhão entre Deus e o homem, Deus desce e se dá aos homens com sacrifício, ele não procura seus próprios interesses, nem se poupa, antes esvazia-se, tornando-se o único caminho para a ida do homem a Deus. Para Gustaf, falar em amor humano no sentido cristão, só pode ser feito quando o amor divino se torna ativo na vida do ser humano e cria esse amor, e que mesmo assim se torna um mero reflexo pálido do amor de Deus.

Algumas pessoas têm dificuldades para entender a oposição entre amor e o mal, talvez, por não entender a natureza do amor Deus. A respeito deste assunto o autor diz que a imagem de Deus como pai no Novo Testamento está longe de ser uma idéia humanizada e frágil a seu respeito, a forma como imaginamos e a relação com o pensamento que temos sobre conceitos humanos de paternidade, trazem essa dificuldade.

No entanto, o amor de Deus atua mesmo na ira. Lutero refere-se ao “amor irado” e declara que ele não destrói como fazem o ódio e a inveja, mas quer simplesmente separar o mal do bem, a fim de que prevaleçam o amor e o bem. Assim, nada poderia se opor ao mal de forma tão decisiva e critica do que o amor. A frase, que Deus odeia o pecado, mas ama o pecador, é trabalhada pelo autor nos seguintes termos. Segundo ele, essa expressão é de valor duvidoso, pois parte do pressuposto de que o pecado pode ser separado do pecador, e que assim, esse argumento ofuscaria a natureza daquele como perversão da vontade.

Para Gustaf, o mais correto é insistir em que Deus não só odeia como ama ao pecador. Dessa forma Sua ira vincula-se ao Seu amor e Dele depende. Argumenta ainda, que a fé cristã deve sempre considerar a retidão como elemento definidor do amor e não separar retidão de amor, considerado este como elemento coordenado daquela. Mas, pensando em considerações tão amplas do amor divino, pode-se encontrar algumas tensões nos argumentos.

Assim é a luta do amor, que segundo o autor no que concerne à fé, a natureza do antagonismo do amor divino caracteriza-se pelo fato de a cruz ocupar o centro da história das relações de Deus com o homem. O amor divino é um amor que se dá e sacrifica a si mesmo, é algo intensamente ativo. É um amor soberano que não é um destino obscuro e inerte, nem uma simples vontade de poder imprevisível e indefinível, mas única e exclusivamente o poder do amor.

A fé cristã afirma que o poder soberano no universo possui a característica do amor divino. O poder divino é o poder do amor, dessa forma o poder do amor conquista o coração humano. Amor eterno, que não tem relação com o tempo, imutável, amor no presente e no futuro. Amor que será contemplado na vida eterna.

Ainda segundo o autor, tamanha fonte desse amor divino só é possível porque é um Deus vivo e que esta revelação de Deus, se caracteriza pela autodoação divina em forma de atividade. Nada é mais essencial à fé do que o qualificativo “vivo” aposto à idéia de Deus. Assim, o conceito de Deus vivo e claramente definido pela fé cristã, diferindo de todos os conceitos de Deus vazados em orientações “filosóficas” ou metafísicas. Dessa forma os conceitos de Deus surgidos na história: o deísta, que acentua o “transcendental”, e o panteísta que ressalta a concepção “imanentista” de Deus estão em conflito com a fé cristã.

O homem é defrontado com a idéia da causalidade, evadindo-se o conceito vivo do Deus da fé e que a metafísica da imanência tem exercido grande influencia sobre a teologia, dos tempos antigos até os dias de hoje. O autor finaliza, ao falar da personalidade de Deus descrita no Novo Testamento afirmando que, o termo “pessoa” não se aplica a Deus, mas os escritores, ao se referirem a Deus, usam o termo “espírito” ou utiliza-se outros termos pessoais, como “Pai”, “Senhor” etc., e que o termo que corresponde a “pessoa”, empregado em relação a Deus, é uma figura de linguagem. O problema, no entanto, da “personalidade” de Deus, não diz respeito à decisão sobre se Deus é ou não uma pessoa, mas sim em como este entendimento exprimi a fé do cristão.

Muitas vezes limitamos nossas explicações em definições simplistas na perspectiva de que a pessoa que nos ouve irá compreender nossa mensagem. Para vários assuntos relacionados à nossa crença e, até sobre nossa fé. No entanto, me surpreendi ao ler o texto de Gustaf Aulén e o tratamento que deu sobre as características de Deus.

Após a leitura e reflexão deste texto, observei que não é a falta de entendimento ou conhecimento para explicar com profundidade as características de Deus, mas talvez o que realmente está distante de cada um de nós, seja a prática do amor cristão no nosso dia-a-dia.

Corremos de um lado para o outro, realizamos tantas coisas e quando precisamos demonstrar o amor, sentimos dificuldades. Assim, creio que o autor foi assertivo ao definir que o coração humano só pode ser conquistado mediante o poder do amor, e este amor, que está em nós, só está em nós, porque é dádiva de Deus.

Então, podemos crer que há finalidades nesta “doação”; para que amemos uns aos outros. Princípios básicos que ao longo dos anos, podemos deixar de lado. Por vezes mudamos nosso foco de atuação. Nossa atenção vai a extremos, e deixamos o mais simples para depois. Outras pessoas, por terem sido vítimas de desilusões, sentem dificuldades para expressar amor.

Certa vez, conversei com uma pessoa que dizia que não conseguia amar seu próprio neto. Como podemos, então, como crentes em Cristo, transpor essas dificuldades, muitas vezes presentes dentro das nossas próprias comunidades de fé? Para que possamos vencer esta batalha diária, uma suposição minha, é que precisamos ter humildade em nosso coração. Entender que temos limitações, das mais diversas, e que expressar amor, pode parecer algo simples na teoria, mas torna-se complexo quando posto em prática. Até onde devemos ir, na expressão de amor ao nosso próximo? Esta é outra questão delicada e que muitas vezes ouvimos respostas simplistas.

Mas, ao entendermos o amor divino, passamos a compreender que estamos ainda distantes de poder demonstrar nosso amor com mais propriedade e de forma mais natural possível. Segundo Gustaf, o amor é o poder soberano de todo o universo; não mais um poder, mas é O Poder! Como cristão, me senti desafiado a entender ainda mais esse amor de Deus.

Reflexão teológica sobre o texto: A pergunta pela verdade.

MUELLER, E. R. Teologia cristã em poucas palavras. São Leopoldo: EST, 2005, pp. 15-41.
Por Claudecir Bianco

No livro Teologia Cristã de Enio R. Mueller, o primeiro capítulo trata sobre a pergunta pela verdade. Para o autor, a própria Teologia tem a ver com a verdade. Logo nas primeiras linhas traz a pergunta: Mas o que é verdade? Argumenta que a verdade está em afirmar que aquilo que se diz corresponde à realidade do assunto sobre o qual se está falando. Dessa forma, a verdade acaba limitada a algo com que a razão pode concordar.

Na continuidade de sua reflexão utiliza de subtítulos onde aborda pontos muito interessantes como, por exemplo, a Verdade como conhecimento e como existência. Neste ponto diz que a verdade é a exatidão de determinadas formulações em contraste com outras. Que o “inconsciente cognitivo” se refere à dimensão cognitiva da verdade; da verdade como conhecimento e que se deve falar da dimensão existencial da verdade como modo de existência.

Estas duas dimensões muitas vezes têm sido separadas e até tratadas como alternativas. No entanto o que as une é justamente o nível “subterrâneo” da dimensão cognitiva, ou seja, o nível do inconsciente cognitivo. Segundo a autor é nesta dimensão que se sedimentam as metáforas que não só guiarão o jeito de conhecer as coisas, mas também as avaliações e as direções que serão dadas à existência do sujeito.

Depois de várias argumentações, procura identificar na bíblia, as definições ou esclarecimentos sobre sua tese abordando o conceito de Verdade no Novo Testamento. Segundo seu pensamento, o Novo Testamento reconhece a noção cognitiva de verdade propositiva, mas que nesta dimensão, seu conteúdo, situa a pergunta pela verdade fundamentalmente no segundo nível.

Jesus utilizava de parábolas para chamar a atenção de seus ouvintes para as metáforas originárias de seu pensamento e conduta, colocando-as em questão e desafiando-os à sua adaptação ou substituição por novas metáforas onde representariam a proposta do anuncio do Reino de Deus. Na dimensão cognitiva, Jesus apontava para o nível mais profundo do inconsciente cognitivo, das metáforas que davam origem ao pensamento.

Assim, diz haver um caminho que leva à verdade e, esta verdade, então, não é algo de que se tem posse, mas um rumo em direção ao qual se anda. Dessa forma, a verdade do evangelho é um caminho andado dentro de uma relação com o mesmo, por um lado é o rumo, meta deste caminho e, o jeito que se anda é que vai definir a verdade. Traz o significado da palavra “ortopodia”, que é o jeito que se anda é que define a verdade e não, somente, ou, isoladamente outros termos já conhecidos dos cristãos como a “ortodoxia” e a “ortopraxia”.

Para Mueller a “ortopodia” revela o conteúdo do Novo Testamento com relação explicita com a verdade. Mas, há de se tomar cuidados com as afirmações contundentes para uma ou, para outra interpretação, que conseqüentemente levarão à práticas, também extremas, para não incorrer em novos erros.

O terceiro subtítulo, destacado pelo autor é a Verdade como caminho. Neste ponto ele ainda busca esclarecer, de forma ainda mais clara, o termo “ortopodia”, destacado anteriormente. Diz que lhe parece estar – a definição – na dimensão cognitiva, encontrando-se assim, no nível das metáforas fundantes do pensamento e da prática, e não ao nível de um ou outro destes. Essa afirmação e argumentação, apresentada pelo autor, é um elemento desafiador para o fazer Teológico nos tempos atuais.

Mueller desafia o leitor a pensar que, neste ponto se dá o começo da percepção da verdade e, que isso, leva o sujeito, a um processo de conversão radical que, conseqüentemente o levará ao processo do discipulado, iniciado e mediado continuamente por Jesus, transformando-o em discípulo. Afirma ainda, que a verdade só se faz e só deixa apreender no próprio caminho, que não é apenas conceitos e nem mesmo práticas isoladas, mas que é necessária a mudança das metáforas.

Finaliza a argumentação deste ponto citando uma prédica de Paul Tillich: “E mesmo que pudesse recitar a Bíblia toda, se não tivesse nada desta vida [que é a verdade]; e outra pessoa soubesse apenas uma palavra bíblica e a tivesse vivido, ela teria a verdade e tu a mentira”.

Na seqüência, o autor descreve sobre a Verdade e verificação. Neste ponto pode haver confrontação da exigência de validação ou de verificação da verdade. A profecia autêntica deve se verificar na história, e este é o seu critério de autenticidade. Naturalmente, os critérios são teológicos e podem não ser os mesmos que a ciência usa para verificar a sua noção de verdade.

Assim, não se trata da forma como fazemos as coisas ou de como pensamos ou sentimos, e sim de como caminhamos, como somos, como vivemos. Continua com o próximo subtítulo: O caminho de Jesus como critério de verificação da verdade cristã. Diz que é diante deste critério que todos os textos e todas as proposições devem ser justificadas e que o caminho do cristão se dá no espelho do caminho do Cristo. Entre a fé na obra salvífica irrepetível de Cristo por nós e a imitação de Cristo e, que a verdade do evangelho, se vive e se verifica na vida das pessoas que com ela se relaciona.

Segue para sua conclusão do capítulo, argumentando que em nome de tal verdade, excluímos quem pensa localizar a verdade em lugar diferente que não seja no Novo Testamente. Afirma que os cristãos fazem uma falsa imaginação do que seja a verdade contida no Novo Testamento, e que este conteúdo vem como juízo também sobre a forma do que seja a verdade e de como nos relacionamos com ela. Que este ensino e do cerne do cristianismo, que exige conscientização, arrependimento e desejo de mudança. Não cada um querendo mudar o vizinho, mas cada um vendo como deixa mudar a si próprio, na expectativa de que o vizinho faça o mesmo. Para que o cristão não seja acusado de não caminhando retamente na verdade do Evangelho.

Texto profundo e rico em conteúdo. O autor apresenta clareza nas argumentações e nos leva a refletir com propriedade no conceito do que é realmente a verdade. Não deixa fora de sua argumentação, possíveis esclarecimentos sobre como algumas pessoas definem a verdade, mas conduz o leitor para a identificação de como a Bíblia entende por verdade.

Mostra-nos que muitos erros aconteceram quando a Igreja, a Teologia e os próprios cristãos quiseram limitar o conceito sobre a verdade, assumindo um único termo e, excluindo de certa forma o “viver a verdade” no dia-a-dia. É preciso ao afirmar, na primeira frase, que a Teologia tem a ver com a verdade.

Na seqüência, vai desmistificando o real significado desse conteúdo que muitos alegam ter, mas que na sua essência, nem se quer saber definir ou, como argumenta Mueller, não sabem viver, caminhar na verdade.

Sem dúvidas, a percepção do autor ao trabalhar este conteúdo, mostra que estamos, como cristãos, bem distantes do centro deste ensino. Talvez pela igreja estar buscando outros objetivos que não aqueles descritos na própria Palavra de Deus, abandonando assim, a possibilidade real de transformação que o Evangelho traz ao ser humano. Talvez pela igreja estar mais focada em métodos e princípios humanos, não se consegue ver mudanças significativas na sociedade. Talvez por nós mesmos, nos preocupar com o outro, não no sentido de ajudá-lo, mas de acusá-lo de vários defeitos.

O Evangelho é o poder de Deus para transformar o homem e não uma fórmula para encher espaços e ampliar cada vez a arrecadação. Cada vez mais as justificativas para as ações humanas dentro das igrejas, mostram que muitas pessoas estão perdidas no entendimento, não só do que é a verdade, como esclarece Mueller, mas principalmente por desconhecer quem foi que ensinou o seu verdadeiro significado.

Precisamos a cada dia, demonstrar atitude de arrependimento, assim como disse o filho pródigo: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. (Lucas 15.21). O arrependimento que leva a uma ação que agrada o Pai, o Pai, rico em Amor e Graça, aceita e nos transforma, para que frutifiquemos até que Ele (Jesus) venha!