terça-feira, 27 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: As doutrinas da natureza humana, do pecado e da graça.

MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, pp. 503-517.
Por Claudecir Bianco – 27/04/2010

No texto de Teologia Sistemática, histórica e filosófica, precisamente no capítulo 14que trata sobre As doutrinas da natureza humana, do pecado e da graça, o autor Alister Mcgrath, procura responder aos leitores a seguinte questão: O que os seres humanos devem fazer para compartilhar da salvação que se manifestou e se tornou possível por intermédio da morte de Cristo na cruz? Afirma haver, na tradição cristã, uma ligação muito próxima entre a doutrina da salvação e a doutrina da graça. Sua proposta então, neste capítulo, a partir do questionamento principal, é de analisar cada uma destas doutrinas mais detalhadamente.

Apesar de o autor ter aprofundado seus comentários pertinentes a este assunto, este material se limitou refletir apenas os conteúdos das páginas 503 à 517.

Neste conteúdo, Alister dividiu sua exposição em três subtítulos que são: O lugar da humanidade na criação; A controvérsia pelagiana e Os conceitos da graça e do mérito.

No primeiro subtítulo, afirma que a tradição cristã enfatiza que humanidade é o apogeu da criação de Deus. Em Gênesis 1.27, apresenta o ser humano como alguém criado à imagem e semelhança de Deus, uma expressão latina imago Dei. Mas, pergunta ainda: qual é o significado dessa locução? Segundo o autor, no período patrístico, havia uma distinção entre duas expressões: “à imagem de Deus” e “à semelhança de Deus”.

Para Tertuliano, a humanidade continuou refletindo a imagem de Deus, mesmo após a Queda, mas poderia ser, novamente, semelhante a Deus por meio da ação restauradora do Espírito Santo.

Orígenes adotou um pensamento similar, dizendo que “à imagem de Deus” refere-se à humanidade após a Queda, enquanto o termo “à semelhança de Deus” refere-se à natureza humana após seu aperfeiçoamento na consumação final.

Uma terceira posição, neste período, era a que interpretava “à imagem de Deus” como algo relacionado à razão humana, como capacidade racional que refletiria a sabedoria de Deus.

Agostinho defendia essa posição por entender que o elemento central da natureza humana é sua capacidade, concedida por Deus, para relacionar-se com ele. Embora esta natureza humana tenha sido corrompida pela queda, ela pode se transformada pela graça. O fato da humanidade ter sido criada à imagem e semelhança de Deus é um fator responsável pela virtude e dignidade originais da natureza humana.

Para Lactantius havia um enfoque político. Essa mesmo doutrina, da criação à imagem de Deus, também foi vista como algo diretamente relacionado à doutrina da redenção.
Atanásio enfatiza que Adão e Eva poderiam desfrutar de um perfeito relacionamento com Deus, desde que não fossem atraídos pelo mundo material.

Cirilo de Jerusalém enfatiza que não havia necessidade alguma de Adão e Eva terem perdido esse estado de graça, no entanto, a imagem de Deus na natureza humana foi desfigurada e que assim, toda a humanidade compartilha desse problema relacionado à descaracterização da imagem de Deus.

Segundo Alister deveríamos, observar que os escritores gregos do período Patrístico não expressaram esse aspecto por meio da doutrina do pecado original, como faria Agostinho mais tarde. Alguns escritores gregos entendiam o fato de que o pecado se originou do abuso do livre arbítrio.

Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa pregaram que as crianças nasciam sem pecado, uma idéia que se opõe à doutrina do pecado universal de uma humanidade caída.

Crisóstomo, referindo-se à declaração de Paulo, de que muitos foram feitos pecadores por intermédio da desobediência de Adão (Romanos 5.19), interpreta que essa passagem significa que todos se tornaram sujeitos à punição e à morte.

O autor passa a descrever sobre o segundo ponto que é A controvérsia pelagiana. Essa controvérsia concentrou-se em torno de dois indivíduos: Agostinho de Hipona e Pelágio. Para Agostinho, negar a soberania de Deus quanto a liberdade humana representaria comprometer seriamente a compreensão cristã sobre o modo como Deus justifica o homem.

No entanto, no tempo de Agostinho havia muitas heresias que reduziam o evangelho. Uma delas era o maniqueísmo, que defendia a total soberania de Deus, mas negava a liberdade humana; a segunda heresia, o pelagianismo, defendia o total livre arbítrio do ser humano, ao mesmo tempo em que negava a soberania de Deus. O termo “livre arbítrio” não é bíblico, mas originário do estoicismo, destaca o autor. Agostinho conservou o termo, mas procurou dar a ele um significado mais próximo ao entendimento de Paulo, ao ressaltar as limitações impostas pelo pecado ao livre arbítrio. Ele afirma a existência da inerente liberdade humana, declara que o livre arbítrio foi debilitado e enfraquecido - mas não totalmente eliminado ou destruído - pelo pecado. Para que o livre arbítrio seja restaurado e recuperado, é necessária a atuação da graça de Deus. O livre arbítrio realmente existe; entretanto, ele se encontra debilitado pelo pecado. Agostinho utilizava a seguinte analogia para explicar essa questão. Pense em uma balança com dois pratos. Um dos pratos é utilizado para pesar o bem, e o outro prato, o mal. O livre arbítrio inclinou-se para o lado do mal. Agostinho, argumenta que os pecadores, na verdade, possuem o livre arbítrio, mas que este livre arbítrio se encontra corrompido pelo pecado.

Para Pelágio, (assim como para Juliano de Eclanum) a humanidade possuía total liberdade de escolha e era totalmente responsável por seus pecados. A natureza humana era essencialmente livre e bem constituída, e não corrompida e debilitada por certas inclinações escusas. De acordo com Pelágio, qualquer imperfeição que fosse atribuída ao homem refletiria negativamente sobre a bondade de Deus. Voltando à analogia da balança, os pelagianos argumentavam que o livre arbítrio era como o par de pratos da balança em estado de perfeito equilíbrio, que não estavam sujeitos a qualquer tipo de inclinação. Pelágio declara de forma inflexível que “uma vez que a perfeição é possível para a humanidade, ela é obrigatória”.

Sobre a natureza do pecado, Agostinho compreendeu o fato de que a humanidade nasceu com uma disposição para o pecado, com uma inclinação natural para o pecado, a qual faz parte de sua natureza. Em outras palavras, o pecado é a causa do pecado: a condição pecadora do ser humano é a causa dos pecados de cada um de nós. Agostinho desenvolveu essa idéia por meio de três importantes analogias: o pecado original como “doença”, como “força” e como “culpa”.

Para Pelágio, a idéia da predisposição humana para o pecado não tem lugar em seu pensamento. Para ele, a capacidade humana de alcançar a perfeição não poderia ser vista como algo que fora comprometido pelo pecado. Para o pensamento pelagiano a humanidade nasce pura, sem pecado, e somente peca por meio de atitudes deliberadas.

Sobre a natureza da graça, o autor diz que, de acordo com o ponto de vista de Agostinho, somos realmente dependentes de Deus para nossa salvação, desde o começo até o fim de nossas vidas. Deus não nos abandona no lugar em que naturalmente nos encontramos, incapacitados pelo pecado e incapazes de nos salvar, mas concede-nos a graça para que possamos ser curados, perdoados e restaurados. A graça, de acordo com Agostinho, é um favor generoso e totalmente imerecido que Deus concede à humanidade, por meio do qual esse processo de restauração pode ser iniciado.

Pelágio, no entanto, usou o termo “graça”, mas interpretou-o de uma maneira bastante diferente. Primeiro, a graça deve ser entendida como uma das faculdades inerentes do ser humano. Para ele, essas faculdades não estão corrompidas, incapacitadas ou comprometidas de modo algum. Pelágio entendeu a graça como uma luz divina concedida à humanidade. Somos capacitados a evitar o pecado por meio dos ensinamentos e do exemplo de Jesus Cristo. Deus não exige apenas que os seres humanos sejam perfeitos; ele fornece certas orientações específicas sobre o tipo de perfeição exigida – como, por exemplo, obedecer aos Dez Mandamentos e tornar-se semelhante a Cristo.

Agostinho argumenta que isso era o mesmo que “restringir a graça de Deus à lei e ao ensino”. O Novo Testamento, de acordo com ele, via a graça como uma ajuda divina ao homem, e não como uma orientação moral apenas.

Para Pelágio, a graça era algo externo e passivo que se encontrava fora de nós. Agostinho entendia a graça como a verdadeira e redentora presença divina em Cristo que atua dentro de nós, transformando-nos: ele a entendia, portanto, como algo interno e ativo.

Para Pelágio, a humanidade precisava apenas ser orientada sobre aquilo que deveria fazer, podendo-se, portanto, deixar que alcançasse sua restauração por sua própria conta e risco; para Agostinho, a humanidade precisava ser orientada sobre o que fazer e, depois, gentilmente auxiliada em cada fase, se houvesse a menor intenção de que ela ao menos se aproximasse, quem dirá alcançasse, sua restauração.

Sobre o fundamento da salvação; Alister diz que, para Agostinho, a humanidade é justificada por um ato de graça; mesmo suas boas ações são resultado da ação de Deus no interior da natureza pecadora do homem e que o fundamento de nossa justificação é a promessa divina de graça feita a nós.

Para Pelágio, entretanto, a justificação do homem fundamenta-se em seus méritos: suas boas ações são resultados do exercício de um livre arbítrio, totalmente autônomo, no cumprimento dos deveres estabelecidos por Deus. A falha em cumprir com esses deveres abre as portas da ameaça de punição eterna para o ser humano pecador.

No Sínodo de Arles, foram condenadas, por um lado, uma série de proposições que eram de natureza claramente pelagiana, ao passo que, por outro lado, validava outras, de natureza mais agostiniana.

Sobre os conceitos da graça e do mérito, Alister no diz que, o termo “graça” (gratia) apresenta uma ligação com a idéia de “presente”. Essa idéia teve início com Agostinho, que destacou a noção de que a salvação é um presente de Deus, e não uma recompensa. Uma tensão entre as idéias de “graça” e “mérito”, pelo fato de a primeira ter relação com a idéia de um presente e a última, com a idéia de uma recompensa. A questão, na verdade, é bem mais complexa do que isso e merece ser objeto de uma discussão minuciosa, segundo o autor.

Aliste, passa a discorrer sobre a graça. A graça é entendida como uma força libertadora, que livra a natureza humana da escravidão do pecado a que está sujeita. Agostinho usa o termo o “livre arbítrio cativo” para descrever o livre arbítrio que é tão fortemente influenciado pelo pecado, assim como argumentou que a graça é capaz de libertar o desejo humano de suas inclinações e de conceder ao homem o “livre arbítrio liberto”. Agostinho conseguiu defender a perspectiva de que a graça, longe de eliminar ou comprometer o livre arbítrio do ser humano, é, na verdade, aquilo que torna possível sua existência. Essa graça é entendida como o fator responsável pela restauração da natureza humana. Uma das analogias favoritas de Agostinho para a igreja é a de um hospital repleto de pessoas doentes, que reconhecem o fato de estar doentes e procuram a ajuda de um médico, para que possam se curar. Assim, ele alega, com base em ilustrações como esta, que o livre arbítrio humano não é saudável e precisa ser curado.

Ao explorar as funções da graça, Agostinho elaborou três noções essenciais, que têm tido um grande impacto sobre a teologia ocidental.
1- A graça preveniente – está defendendo sua posição característica de que a graça de Deus está atuando na vida do ser humano antes mesmo da conversão. A graça preveniente de Deus está viva.
2- A graça operativa – Deus opera a conversão dos pecadores sem que haja a menor participação deles. A conversão é um processo puramente divino, no qual Deus age sobre o pecador.
3- Graça cooperativa – Tendo alcançado a conversão do pecador, Deus agora colabora com a renovada disposição do ser humano, no sentido de conseguir se transformar a crescer em santidade. Tendo libertado a vontade humana do jugo do pecado, Deus agora pode cooperar com essa vontade liberta.

Os teólogos do início da Idade Média consideravam o termo “graça” como uma forma abreviada dos termos benevolência ou liberalidade de Deus. Tomás de Aquino traça uma distinção fundamental entre dois tipos diferentes de graça:
1- A graça verdadeira, que é dada gratuitamente, uma série de ações ou influências de Deus sobre a natureza humana.
2- A graça habitual, feita por contentamento, um hábito criado no interior da alma humana. Em outras palavras, “ter a graça de Deus” é gozar do favor de Deus. A idéia de “graça habitual” tornou-se objeto de intensa crítica, no final da Idade Média.

Guilherme de Occam, armado de sua famosa “navalha”, começou a eliminar as hipóteses desnecessárias de cada área da teologia. Seu argumento era tão convincente que, ao final do século XV, a noção da graça habitual se encontrava bastante desacreditada. Pouco a pouco, a graça passou a ser entendida como “o favor gracioso de Deus” - isso é, como uma atitude divina, e não uma substância.

Finalmente, sobre mérito, Alisten afirma que a controvérsia pelagiana chamou a atenção para a hipótese da salvação ser uma recompensa por bom comportamento ou um dom gratuito de Deus. Assim houve a necessidade de maior esclarecimento do termo “mérito”.

Segundo o autor, no período medieval, até a época de Tomás de Aquino, havia-se chagado a um consenso sobre os seguintes pontos:
1- Não existe, modo algum pelo qual os seres humanos possam reinvidicar salvação como uma “recompensa”, fundamentando-se estritamente na justiça. A salvação é um ato da graça de Deus. A visão de que os seres humanos pudessem ser capazes de obter a salvação por meio de mérito próprio foi rejeitada, sendo encarada como pelagianismo.
2- Os pecadores não podem conquistar a salvação, pois não há nada que eles possam alcançar ou fazer que obrigue Deus a recompensá-los com a fé ou a justificação. A graça de Deus opera nos pecadores para que se convertam e essa mesma graça coopera com eles para trazer-lhes crescimento em santidade. E é essa cooperação que leva ao mérito.
3- Há diferenças entre os dois tipos de méritos: o coerente e o devido. O coerente baseia-se na liberdade de Deus ao ponto que o mérito devido é aquele que se justifica com base nas atitudes morais de um determinado indivíduo.

Nesse contexto de consenso geral acerca da natureza do mérito, surgiu, no final da Idade Média, um debate sobre a causa fundamental do mérito, podendo-se perceber a presença de duas correntes contrárias. O debate ilustra o crescimento da influencia do voluntarismo, ao final da Idade Média. A corrente mais antiga, que podemos descrever como intelectualista, segundo o autor, é representado por Tomás de Aquino. Ele defendeu a existência de uma relação diretamente proporcional entre o valor moral e o valor meritório de uma ação praticada por um cristão. O intelecto divino reconhece o valor intrínseco a uma ação e a recompensa conforme esse valor. Finaliza Alister.

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O autor é bem objetivo em suas argumentações o que faz com que seu texto não seja cansativo. Aborda, sem dúvidas, pontos que são confusos para muitos cristãos.

Apesar de alguns destes pontos serem comumente aceitos por alguns, não são discutidos com profundidade nas Igrejas.

Se partirmos para uma conversa um pouco mais aprofundada sobre eles, possivelmente encontraremos muitas dúvidas e, o que é pior, em minha opinião, obteremos respostas contrárias às conclusões sobre a graça, salvação, pecado etc.

Grande parte dos cristãos não buscam conhecer melhor suas crenças e suas origens, por entenderem que é suficiente o cumprimento de seu papel com a Igreja e freqüência nos cultos.

Vivem, portanto de fragmentos da Palavra de Deus, muitas vezes, vindos de púlpitos vazios. Há que se pensar em mudar esta situação.

Pontos como os destacados pelo autor são fundamentais na concepção do cristianismo, deveriam ser constantemente abordados nas igrejas, mas alguns podem pensar que afastaria os que pensassem diferente.

Isso já seria um sinal que estamos vivendo um cristianismo superficial. Estamos vivendo como os Judeus no tempo de Jesus, quando este os repreende dizendo: “Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus.” Mateus 22.29.

Por tempos estamos deixando de dedicar tempo para conhecer as Escrituras. Nós, como povo de Deus precisamos ser como os de Beréia, descrito em Atos 17.11. “Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.”

Não há cristianismo sem as verdades de Cristo serem aplicadas na prática.
Não há salvação se não for pela Graça, não há cristianismo se não houver a Palavra do Pai e não há como usufruir dessa graça se não houver fé.

Apesar de muitos buscarem os caminhos mais largos, observa-se que o que estão encontrando são mentiras e frustrações.

Precisamos, urgentemente, rever nossos conceitos e buscar compreender mais sobre o plano maravilho de Deus para a humanidade, assim como fez Alister.

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