segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

AÇÃO DO HOMEM E AÇÃO DE DEUS!

Reflexão sobre a prática da Missão Integral
Claudecir Bianco

Alguns dias depois, Jesus voltou para a cidade de Cafarnaum, e logo se espalhou a notícia de que ele estava em casa.
Muitas pessoas foram até lá, e ajuntou-se tanta gente, que não havia lugar nem mesmo do lado de fora, perto da porta. Enquanto Jesus estava anunciando a mensagem, trouxeram um paralítico. Ele estava sendo carregado por quatro homens, mas, por causa de toda aquela gente, eles não puderam levá-lo até perto de Jesus. Então fizeram um buraco no telhado da casa, em cima do lugar onde Jesus estava, e pela abertura desceram o doente deitado na sua cama.
Jesus viu que eles tinham fé e disse ao paralítico: — Meu filho, os seus pecados estão perdoados.
Alguns mestres da Lei que estavam sentados ali começaram a pensar:
“O que é isso que esse homem está dizendo? Isso é blasfêmia contra Deus! Ninguém pode perdoar pecados; só Deus tem esse poder!”
No mesmo instante Jesus soube o que eles estavam pensando e disse: — Por que vocês estão pensando essas coisas?
O que é mais fácil dizer ao paralítico: “Os seus pecados estão perdoados” ou “Levante-se, pegue a sua cama e ande”?
Pois vou mostrar a vocês que eu, o Filho do Homem tenho poder na terra para perdoar pecados. Então disse ao paralítico:
—Eu digo a você: levante-se, pegue a sua cama e vá para casa.
No mesmo instante o homem se levantou na frente de todos, pegou a cama e saiu. Todos ficaram muito admirados e louvaram a Deus, dizendo: — Nunca vimos uma coisa assim! (Marcos 2.1-12 – NTLH)

Este texto nos ajuda entender os papéis de cada um quando pensamos na prática da Missão Integral - MI. Muitas vezes, algumas pessoas não “aderem” à prática da MI por achar muito difícil e complexa. Dessa forma o mais fácil e rápido lhe atrai como imã, o Assistencialismo pode ser uma alternativa para estes. No entanto, ao ler a bíblia com freqüência, você irá identificar que Deus, sempre mostrou ao ser humano, qual é o papel DEle e qual é o papel do homem, nas mais variadas situações. Mostrou também que nem sempre as coisas foram fáceis para aqueles que queriam, de fato, fazer Sua vontade e obedecê-lo incondicionalmente.
Pense, por exemplo, em Gideão, quando foi escolhido por Deus... - Então o SENHOR Deus ordenou a Gideão: — Vá com toda a sua força e livre o povo de Israel dos midianitas. Sou eu quem está mandando que você vá. (Juízes 6.14 – NTLH).
Conhecedor dos problemas que haviam assolado seu povo, Gideão obedece ao chamado do Senhor e convoca seus homens para a batalha. No entanto o que parecia “normal” para aquele momento de guerra, Deus surpreende a todos ao limitar a quantidade de pessoas que deveriam ir à batalha:

O SENHOR Deus disse a Gideão: — Você tem gente demais, e por isso não posso deixar que vocês derrotem os midianitas. Se eu deixasse, vocês poderiam pensar que venceram sem a minha ajuda.
Anuncie ao povo o seguinte: “Quem estiver com medo, que saia do monte Gilboa e volte para casa.” Gideão anunciou, e vinte e dois mil homens voltaram. Mas dez mil ficaram.
E o SENHOR disse a Gideão: — Ainda é gente demais. Leve todos até as águas, e ali eu separarei os que irão com você. Se eu disser que um homem deve ir com você, ele irá. Se disser que outro não deve ir, ele não irá.
Aí Gideão fez com que os homens descessem até as águas. E o SENHOR Deus lhe disse: — Todos os homens que lamberem a água com a língua, como fazem os cachorros, devem ser separados dos que se ajoelharem para beber.
Aí o SENHOR disse a Gideão: — Com estes trezentos homens que lamberam a água, eu libertarei vocês e lhes darei a vitória sobre os midianitas. Diga aos outros que voltem para casa. (Juízes 7.2-5,7 – NTLH).

Vemos neste texto que o Senhor age independentemente das circunstâncias. Situações que para nós são inviáveis ou, como pensam alguns, complexas demais, Deus age e nos dá vitórias, mostrando exatamente quais são os nossos papéis e quais são os Seus. Para realizarmos a prática da MI, precisamos ter claro em nossa mente que Deus nos usará e, através de nossa obediência em fazer Sua vontade, Ele agirá.
No primeiro texto descrito acima, no Evangelho de Marcos, vemos claramente o mover de Deus, agora personificado em Jesus, como Ele age e, como quer que seus discípulos façam. São ações práticas, concretas e até mesmo, as mais complexas. Precisamos entender nossos papéis. Vamos ver alguns pontos importantes destacadas no texto do Evangelho de Marcos:

Vejamos que o este texto nos revela:

- O paralítico sente a necessidade de chegar até Jesus, mas não pode fazê-lo sozinho. As pessoas devem reconhecer suas próprias necessidades.
- Os amigos viram a necessidade do paralítico; assim também as pessoas da comunidade devem ver as necessidades umas das outras.
- Os quatro homens estavam dispostos a ajudar, de modo que tomaram a iniciativa e agiram.
- Possivelmente existiu um planejamento.
- Eles trabalharam juntos, cooperaram uns com os outros.
- Persistiram diante dos obstáculos: primeiro, a multidão e depois, dentro da casa.
- Estavam dispostos a correr riscos.
- Demonstraram sua fé através de ações.
- Usaram recursos locais, primeiro, a maca na qual o paralítico estava deitado, depois cordas amarradas num manto para baixá-lo através do telhado.
- Trabalharam em conjunto para carregá-lo e baixá-lo através do telhado.
- O amor é demonstrado por pessoas que agem.
- Pensaram ter obtido sucesso e que seu trabalho já estava terminado ao colocarem o paralítico diante de Jesus; mas é neste momento que podem vir as nossas maiores oposições.
- Jesus mostra que uma pessoa que tem fé é aquela que se preocupa com os outros.
- Normalmente, a cura vem da fé da pessoa que está doente. Neste caso, Jesus honrou a fé de outras pessoas para curar o paralítico.
- Primeiro, aconteceu um milagre invisível; Jesus perdoou os pecados daquele homem. A real prioridade de Jesus era a necessidade espiritual.
- Entretanto, dizer ao paralítico que seus pecados estavam perdoados não o curou fisicamente.
- Jesus tratou tanto do problema espiritual como do problema físico.
- Deus recebeu toda a glória.
Acredito que você poderia acrescentar ainda mais ensinamentos sobre este mesmo texto, mas vamos pensar nas coisas que aconteceram antes daqueles homens virem até Jesus:
- Possivelmente havia prévio conhecimento acerca de Jesus.
- Eles esperavam que alguma coisa acontecesse; havia uma expectativa de sucesso que os motivava.
- Eles cooperaram uns com os outros.
- Eles viram a necessidade do paralítico.
- Possivelmente houve um testemunho sobre Jesus, de modo que as pessoas já tinham ouvido falar sobre Ele.
- Jesus não discriminou ninguém; Ele estava disposto a atender a todos.
Podemos entender que nesta “cena” havia diferentes recursos utilizados para ajudar o paralítico, destaco apenas alguns deles:
- Força física humana.
- A cama ou maca.
- Possivelmente cordas ou cintos.
- Disponibilidade de homens.

Talvez este último recurso seja o principal problema para a prática da MI presente nos nossos dias. A falta de disponibilidade para a elaboração e aplicação de um plano bem definido, muitas vezes nos leva a criar ações de curto prazo por vezes ineficazes e que apenas nos roubam o pouco tempo que dispomos.

Diante do exposto, precisamos entender que se existem necessidades para serem satisfeitas e a visão que Deus lhes deu, deve ser cumprida; assim devemos:
- Entender que as necessidades existem e que podem ser também oportunidades para novas ações.
- Trabalhar juntos, num esforço conjunto, para resolver as necessidades.
- Desenvolver uma estratégia que vislumbre a solução desejada para a necessidade.
- Demonstrar uma fé vital de que podem executar a visão que Deus lhes deu para sua comunidade.

Podemos entender que existiram vários obstáculos a serem vencidos. Um deles estava “dentro da própria casa”, ou seja, aqueles mestres da Lei complicaram ainda mais a situação. Poderiam ter outras reações? Acredito que sim, mas na verdade, optaram pela crítica. Da mesma forma, nos dias de hoje, encontramos pessoas dentro das nossas próprias igrejas que, no lugar de ajudar, se colocam numa posição critica destrutiva, dificultando ainda mais, qualquer ação. No entanto, Jesus nos ensina que precisamos ter o foco em Deus e fazer a obra que nos é proposta. As dificuldades existem, os obstáculos se tornam cada vez maiores, mas as necessidades das pessoas são de ordem física e espiritual. Realizando isso, glorificamos o nome de Deus. Cumprindo o que está escrito... “Devemos amar a Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa mente e com todas as nossas forças e também devemos amar os outros como amamos a nós mesmos. Pois é melhor obedecer a estes dois mandamentos do que trazer animais para serem queimados no altar e oferecer outros sacrifícios a Deus.” (Marcos 12.33 – NTLH); realizamos nossa missão, como filhos regenerados, transformados pelo Espírito Santo.

Um grande mover de Deus, aconteceu em 1974 na Suíça, onde foi elaborado o Pacto de Lausanne . Uma declaração sóbria e amadurecida sobre a MI que, em um de seus artigos, declara: “Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua Igreja e um serviço responsável no mundo.”
Pode-se entender “serviço responsável no mundo” como elemento chave para a Missão Integral. Ainda, no artigo quinto, que trata da Responsabilidade Social Cristã, este pacto faz a seguinte afirmação:
Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusiva. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são, ambos, parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta. (Artigo 5, - Pacto de Lausanne.)

A partir deste conteúdo, ações práticas surgiram nas Igrejas e organizações foram constituídas com a finalidade de atender o homem de forma integral, mudando os rumos do protestantismo mundial e consolidando a Teologia da Missão Integral.
Dessa forma, entende-se que a MI da Igreja é profundamente Bíblica, ou seja, significa que ela (a Missão Integral) não deve ser uma filosofia cega ou um modismo passageiro. A Missão Integral da Igreja não é uma ação que ora existe e, logo depois, some ou perde totalmente suas características iniciais. São verdades que precisam ser praticadas em sua totalidade, levando em consideração a relação do ser humano com Deus, consigo mesmo, com seu próximo e com a natureza.

Em 1983, Franklin Graham, em Amsterdã, fez a seguinte afirmação:
“Se olharmos apenas para as necessidades físicas do homem, nos transformamos em humanistas. Se olharmos apenas para as necessidades intelectuais do homem, nos transformamos em educadores. Se olharmos apenas para a opressão política, nos transformamos em revolucionários ou políticos. Se olharmos apenas para as necessidades espirituais do homem nos transformamos em pessoas religiosas. É olhando para o homem como um ser completo, e dando grande importância para área espiritual, é que nos transformamos em testemunhas de Cristo, missionários, evangelistas e comunicadores da Palavra de Deus”.

Caminhando nesta perspectiva, de sermos comunicadores da Palavra de Deus, damos início ao rompimento das cadeias assistenciais que prendem as pessoas. No entanto, como Igreja de Cristo, servos fiéis à verdade que nos liberta, precisamos olhar o ser humano de forma integral.

Ainda, quando pensamos em Assistencialismo entendemos que esse processo fornece ajuda temporária, em curto prazo, feitas por outras pessoas, oprimindo mais do que libertando. Um ambiente positivo, que chamamos de Apoio, de cuidado e ânimo, que influencia as relações, dá um fôlego ou uma experiência positiva no momento ou, no tempo em que a pessoa passa ou, participa daquela ação. Findando o tempo de participação e pessoa está de volta ao seu ambiente, muitas vezes caótico. Assim, entendemos que o Desenvolvimento enfatiza as mudanças mensuráveis no conhecimento, nas habilidades e nos talentos ou condições dos participantes nas ações em que eles mesmos assumem as responsabilidades pelas mudanças. Dessa forma, precisamos entender que o empoderamento deve começar desde as raízes, envolvendo as pessoas e ajudando-as a serem auto-suficientes sob a direção de Deus. O promotor do desenvolvimento não é o responsável pelo desenvolvimento da comunidade. As pessoas são as que devem se desenvolver. O trabalho dever ser realizado de baixo para cima, baseado na comunidade, e não baseado na instituição, ou seja, de cima para baixo. Este é o modelo de trabalho que o Programa de Desenvolvimento Comunitário Integral – PDCI, trabalha, promovendo o desenvolvimento. É, sem sombra de dúvidas, uma excelente ferramenta que consolida a práxis da Missão Integral da Igreja nas comunidades onde Deus a colocou para ser Sal e Luz, libertando os cativos de todas as opressões. Fomentando a promoção humana no mais amplo sentido, levando aos excluídos uma esperança de nova vida, rompendo com o assistencialismo, resgatando as pessoas da dependência social em que se encontram.

Assim, desenvolvemos nosso papel e, Deus cumpre com sua palavra, promovendo a consciência de arrependimento nas pessoas, as quais Ele quer alcançar.

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Claudecir Bianco é casado com Regina, pai de Renata e Rafael. Graduado em Administração de Empresas com ênfase em Análise de Sistemas pela Faculdade Internacional de Curitiba e, em Teologia pela Faculdade Evangélica do Paraná. Atua desde 1996 em atividades sociais. É Coordenador no Brasil do Programa de Desenvolvimento Comunitário Integral – PDCI, Secretário Executivo do Instituto Vida – Desenvolvimento Humano Integral e Inclusão Social. Atua como Presbítero e Missionário através da 1ª Igreja Presbiteriana Independente de Curitiba. Coordenador e Facilitador do Curso de Capacitação para Capacitadores e de Formação de Facilitadores para o Desenvolvimento Comunitário Integral do PDCI. Na linha de Desenvolvimento Comunitário possui capacitação por Embajadores Médicos International em Nicarágua e Argentina. Autor do Curso de Planejamento Estratégico pessoal. Consultor para criação e gestão de ONG’s e projetos Sociais com sua ênfase no Estabelecimento do Shalom de Deus. O PDCI é um método prático para aplicação da Missão Integral. O autor ministra o curso de Capacitação de Capacitadores (CDC) para o desenvolvimento de projetos Sociais com ênfase na restauração do Shalom de Deus. E-mail: calbianco@hotmail.com.



REFERENCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Português – Nova Tradução na Linguagem de Hoje – NTLH - Sociedade Bíblica do Brasil.– São Paulo: 2005.
MONERGISMO – Pacto de Lausanne – Disponível em Acesso em 14 out 2008.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A VERDADE QUE LIBERTA!

Reflexão sobre a prática da Missão Integral
Claudecir Bianco

Basta passarmos os olhos em revistas, sites e outros veículos de comunicação para identificarmos que as ações sociais do governo, de organizações não governamentais e de Igrejas têm-se modificado nos últimos anos. Apesar da designação de Missão Integral – MI, ser própria para o meio cristão e já fazer parte das discussões de vários teólogos e pensadores, e ainda, por haver várias iniciativas concretas sobre ela, o que se pode perceber são dificuldades para o desenvolvimento de ações práticas junto às comunidades, de forma geral.
Ao olharmos para o passado, podemos entender que a Reforma Protestante, ocorrida no século XVI, não foi somente um movimento espiritual e eclesiástico; teve também aspectos e dimensões políticas e sociais.
João Calvino, assim como outros reformadores, deu atenção a aspectos sociais de sua época. Para Calvino, o cristão tem responsabilidade para com o mundo. Em sua obra, Instituição da Religião Cristã (1536), precisamente no livro IV, capítulo IV, onde trata sobre o Estado da Igreja Primitiva e o Modo de Governo usado antes do Papa, Calvino descreve especificamente sobre questões de bens materiais e sua administração. Neste capítulo, Calvino diz que não cabe à Igreja acumular riquezas e permitir que o pobre morra de fome. Assim, pergunta ele:

Não dirá Deus: por que há consentido que tantos pobres morram de fome, tendo ouro com que comprar-lhes alimentos? Por que há deixado levar cativos a tanta pobre gente, e não os há resgatados? Por que há permitido que matara a tantos? Não teria sido melhor conservar os vasos vivos, que não aos vasos mortos de metal? (CALVINO, 1988, p. 854) .

Percebe-se a preocupação na ajuda ao pobre, oportunizando-lhes o pão e o cuidado. Melhor seria o investimento na vida e no resgate do necessitado do que em ornamentos para a Igreja. Evidente parece ser nos dias atuais que a falta de recursos financeiros impedem o avanço e a ajuda ao outro. No entanto, Calvino dá sua contribuição nesse sentido ao afirmar:

No que se dedicava a adorno dos templos, ao princípio era bem pouco. Inclusive depois que a Igreja se enriqueceu bastante, não se deixou de observar certa moderação nisso. Todavia, todo o dinheiro que se destinava a este fim, se depositava e dedicava aos pobres, quando as necessidades o requeriam. Assim, Cirilo, bispo de Jerusalém, como não podia socorrer de outra maneira as necessidades dos pobres, em tempo de fome, vendeu todos os vasos e ornamentos sagrados. (CALVINO, 1988, p. 853) .

Não faltam exemplos em como lidar com essas situações. Algumas decisões podem ser simples e imediatas, outras podem ser desenvolvidas no longo prazo. No Brasil, por exemplo, a política social nas últimas décadas é conseqüência da redemocratização do país que buscou reformar o Estado e construir um modelo de gestão pública capaz de torná-lo mais aberto às necessidades dos cidadãos brasileiros. Frei Betto ao escrever sobre o programa Fome Zero esclarece que:

Exemplos como o programa do Governo Federal, Fome Zero, que na sua essência não apresentava características assistencialistas, idealizado pelo instituto Cidadania, a pedido do então candidato derrotado nas eleições presidências em 1991, apresentou sérias mudanças até agora. A idéia era elaborar um programa de segurança alimentar e nutricional para o Brasil, tarefa que foi desempenhada por José Gomes da Silva. (BETTO, 2004, p. 21).

No entanto, o que se observa nos dias atuais é um projeto muito diferente e distante de sua proposta inicial. Veja por quais caminhos a estratégia política está trilhando:

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, apresentou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um projeto de expansão da telefonia móvel para todos os beneficiários do programa Bolsa Família. Pelo projeto, todas as 11 milhões de famílias atendidas pelo programa receberiam de graça um celular e R$ 7 de crédito por mês. Segundo Costa, já há aprovação do projeto dentro do governo e por parte das empresas. O presidente Lula gostou da idéia e a empresa TIM já aceitou fazer parte do projeto. O governo está negociando com a Claro e com a Oi. Pelos cálculos do ministro, será necessário investimento das empresas de telefonia móvel de R$ 2 bilhões em dois anos para emplacar o programa. O governo abriria mão da arrecadação do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) dessas linhas. (Folha de São Paulo - 10/11/2009 - 14h11)

Não teria acontecido algo semelhante no ambiente cristão? Sabe-se que Governos são mutáveis e, com eles, suas ações e práticas. De certa forma, neste mundo de constantes transformações, a Igreja passou, e está passando por sérias mudanças. Algumas não são percebidas, outras são tão notórias que não têm como deixar de percebê-las. Assim, como a palavra de Deus não muda, poder-se-ia entender que certas ações práticas, principalmente quanto ao amor ao próximo e a ajuda ao necessitado, também não deveriam mudar.
Dessa forma, entende-se que a MI da Igreja é profundamente Bíblica, ou seja, significa que ela (a Missão Integral) não deve ser uma filosofia cega ou um modismo passageiro. A Missão Integral da Igreja não é uma ação que ora existe e, logo depois, some ou perde totalmente suas características iniciais. São verdades que precisam ser praticadas em sua totalidade, levando em consideração a relação do ser humano com Deus, consigo mesmo, com seu próximo e com a natureza.
Tentativas reflexivas são, a todo o momento, idealizadas com o objetivo de buscar elementos norteadores para práticas mais efetivas. Assim foi o Pacto de Lausanne , em 1974 na Suíça, onde foi elaborada uma declaração sóbria e amadurecida sobre a missão prioritária da Igreja, que, em um de seus artigos, declara: “Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua Igreja e um serviço responsável no mundo.”
Pode-se entender “serviço responsável no mundo” como elemento chave para a Missão Integral. Ainda, no artigo quinto, que trata da Responsabilidade Social Cristã, este pacto faz a seguinte afirmação:

Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusiva. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são, ambos, parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta. (Artigo 5, - Pacto de Lausanne.)

A partir deste conteúdo, ações práticas surgiram nas Igrejas e organizações foram constituídas com a finalidade de atender o homem de forma integral, mudando os rumos do protestantismo mundial e consolidando a Teologia da Missão Integral.
O teólogo René Padilla afirma que o conceito de Missão Integral já havia sido discutido, mas foi através do Pacto de Lausanne que surgiu a oportunidade de mostrar ao mundo os novos rumos para o Evangelho, que se adaptasse à modernidade sem perder os elementos básicos da fé cristã. Para Padilla:

Antes mesmo de Lausanne, o conceito de Missão Integral já havia surgido no cenário da Fraternidade Teológica Latino-americana. Mas Lausanne nos deu a oportunidade de expor este conceito em uma plataforma mundial. Creio que tem havido avanços significativos por parte de instituições e Igrejas que hoje em dia promovem a Missão Integral. (FERNANDES, 2008, p. 56).

Outra ação reflexiva aconteceu no ano 2000, onde a Organização das Nações Unidas – ONU reuniu em Nova York, 147 chefes de Estado, em um encontro que ficou conhecido como a Cúpula do Milênio. O objetivo era debater as grandes questões sociais, econômicas e ambientais que afligem as nações, principalmente as que abrigam a população mais pobre do planeta.
Foi desse encontro que surgiu a Declaração do Milênio, documento assinado pelos países membros da Organização, no qual os governantes se comprometiam a buscar soluções para os problemas mais graves da humanidade. Para isto, estabeleceram metas e um prazo para cumpri-las, fixando o ano de 2015 como limite. As metas são: Erradicar a fome e a miséria; Atingir o ensino básico universal; Promover a igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres; Reduzir a mortalidade infantil; Melhorar a saúde materna; Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; Garantir a sustentabilidade ambiental e Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. No entanto, ainda há pessoas que desconhecem por completo tais objetivos. Não poderiam ser estas as metas da Igreja para a humanidade, além, é claro, do anúncio do Evangelho?
Estariam os Cristãos confusos com tantas necessidades para serem atendidas que não sabem por onde começar? Ou estariam, por opção, à margem da necessidade alheia, acreditando serem atribuições do governo?

Em 1983, Franklin Graham, em Amsterdã, disse:

“Se olharmos apenas para as necessidades físicas do homem, nos transformamos em humanistas. Se olharmos apenas para as necessidades intelectuais do homem, nos transformamos em educadores. Se olharmos apenas para a opressão política, nos transformamos em revolucionários ou políticos. Se olharmos apenas para as necessidades espirituais do homem nos transformamos em pessoas religiosas. É olhando para o homem como um ser completo, e dando grande importância para área espiritual, é que nos transformamos em testemunhas de Cristo, missionários, evangelistas e comunicadores da Palavra de Deus”.

Isso faz sentindo para você? Mas, vamos crer que o que existe é a falta de entendimento, primeiramente de termos e conceitos e, depois, de um modelo prático e eficaz. Precisamos entender que as tendências não devem ser consideradas como estanques. Na verdade, indivíduos ou projetos assistencialistas mudam enquanto caminham. O trabalho social é dinâmico, criativo, requerendo permanentemente para cada ação, soluções em calamidades de difícil controle.

No livro de Carlos Pinheiro Queiroz, “Eles herdarão a terra”, citando o Pr. Hélcio da Silva Lessa, traz algumas definições que precisamos refletir com carinho e cuidado. Sobre as categorias da responsabilidade social o Pr. Hélcio faz as seguintes ilustrações:

No tempo da escravatura alguns cristãos, sensibilizados com os que eram castigados e surrados no pelourinho, resolviam ajudá-los com água, comida ou atando suas feridas. Esta atitude nobre (que, no entanto, não tocava nas causas da escravatura e mantinha o escravo na mesma situação) tipifica o que poderíamos chamar de Assistência Social.

Outros cristãos, com visão mais aberta, resolviam, além da assistência, assegurar a liberdade de alguns escravos através da compra destes e criação de oportunidades de trabalho para que eles criassem seus mecanismos de sobrevivência. Esta atitude, mesmo que admirável, libertava um indivíduo, mas não acabava com a instituição da comercialização de escravos. A isto podemos chamar de Serviço Social.

Outros lançaram-se na luta contra a instituição da escravatura para que não encontrassem escravos pendurados no pelourinho nem tivessem que comprar a liberdade deles. Acabar radicalmente com a escravatura era mais viável, pois assim estariam destruindo este mal pela raiz. A luta por esta conquista deve ser caracterizada como uma Ação Social.

Quem sabe, como Igreja de Cristo, estamos de fato, confusos. Frente a tantos desafios, não conseguimos entender, depois de alguns anos, qual deve ser nossa práxis Cristã. Creio que se fizéssemos coisas mais efetivas, poderíamos corrigi-las, mas a tendência é realizar o que é mais fácil e menos complicado, de curtíssimo prazo com números cada vez maiores, pois afinal, precisam ser mostrados a cada final de ano.

No mesmo livro, Queiroz, cita o Frances O’Gorman, e traz mais uma reflexão importante sobre a Promoção Humana e, divide as tendências dessa promoção em quatro categorias:

1. Promoção Humana pela Assistência: “Na assistência, o pobre-indigente recebe o peixe de ajuda material do agente compadecido. Enquanto dar o peixe irradia caridade, gera também assistencialismo no agente, dependência desumanizante no pobre e inércia na sociedade.”

2. Promoção Humana pelo Ensino: “No ensino, o pobre-atrasado recebe do agente colaborador o peixe do conhecimento e capacitação para sua informação/formação. Enquanto ensinar a pescar oferece instrumentos de acesso regulado aos bens da sociedade, promove também paternalismo no agente, individualismo competitivo no pobre e endurecimento estrutural na sociedade excludente.”

3. Promoção Humana pela Participação: “Na participação, o pobre-marginalizado conquista seu espaço pela reivindicação e solidariedade, com o acompanhamento do agente colaborador. Enquanto pescar em mutirão e vender o peixe em cooperativas suscita compromisso do pobre com o pobre, também estaciona no reformismo por parte dos agentes e na acomodação com melhorias conquistadas pelos pobres, deixando intactas as estruturas de exploração.”

4. Promoção Humana pela Transformação: “Na transformação, o pobre-oprimido se liberta da opressão (por conseguinte, liberta seu opressor) assumindo seu direito de ser sujeito da sociedade pela intervenção transformativa nas estruturas injustas com o engajamento do agente criativo.”

Ao governo e, a determinados grupos, existem a tendência de criar laços para que o outro permaneça em sua dependência e “usufrua” dos “benefícios” que promovem. A promoção do outro, o “libertaria”, abriria seus olhos e, possivelmente, a manipulação cessaria. Quando a Igreja ou determinados grupos não refletem suas ações, o que se concretiza, com o passar dos anos, são ações desordenadas e sem quaisquer transformações sociais e individuais.

Há uma dramatização que apresenta essa dependência de forma bem simples. É a história da travessia do rio...

Uma pessoa faz o papel de um “forasteiro” que vem à comunidade e se oferece para ajudar alguém a atravessar o rio. O rio possui várias pedras úteis para se pisar. O homem de fora rapidamente carrega a pessoa em suas costas, mas fica cansado e deixa-o no meio do rio, sobre uma das pedras, dizendo que voltará. A pessoa não consegue encontrar o caminho para atravessar o rio sozinha.
Na outra cena: Outra pessoa oferece-se para mostrar a uma segunda pessoa o caminho para atravessar o rio. Eles andam lentamente juntos, com o “forasteiro” mostrando onde é seguro pisar. Eles chegam ao outro lado com segurança. A primeira pessoa ainda está na pedra no meio do rio.

Que significados essa dramatização nos traz:
• Que tipo de “forasteiros” vêm à sua área local para oferecer ajuda? Alguém, alguma vez, já se sentiu como a primeira pessoa (que foi deixada no meio do rio)? Alguém, alguma vez, começou a trabalhar numa iniciativa nova, mas, então, não pôde continuar sozinho? Por quê? De que forma poderia ter sido melhor?
• Qual foi a diferença entre a abordagem do “forasteiro” na segunda dramatização de papéis?
• Que conhecimento o “forasteiro” compartilhou, e como o fez?
• O que a segunda pessoa poderia ter feito para fazer com que a dramatização da travessia do rio tivesse um final diferente?
• Como as pessoas locais podem ter certeza de que continuarão tendo controle do conhecimento e das idéias novas?
• Quando carregamos alguém não lhe ensinamos a fazer para ele mesmo.
• Se ensinar alguém a fazer algo, faça-o de modo que ele possa ensinar a outra pessoa e se produza a multiplicação.
• Às vezes, podemos causar mais danos do que ajudar uma pessoa quando fazemos por ela.
• Aprende-se melhor fazendo que vendo.
• Quando a pessoa responsável por um projeto de desenvolvimento vai embora, se as pessoas não foram capacitadas, o projeto morre.
• Uso de recursos locais.
• É necessário alguém que ensine.
• Nós aprendemos através de exemplos práticos e de incentivo.
• São necessários esclarecimentos.
• A repetição é importante.
• Há maior motivação quando existe uma necessidade.
• Às vezes só fazemos o trabalho pela metade.
• Fazendo a tarefa para alguém, não quer dizer que o trabalho foi finalizado.
• Existem tarefas que são grandes demais para uma única pessoa.
• O fato de alguém conseguir executar alguma tarefa, não significa que ele pode ensiná-la a outros.
• As instruções devem ser dadas “passo-a-passo”, de acordo com a necessidade de cada tarefa.
• Não é necessária vasta experiência para ensinar alguém.
• O segundo ato mostra a importância da multiplicação.

Caminhando nesta perspectiva, de ensinar e empoderar com conhecimento outra pessoa, damos início ao rompimento das cadeias assistenciais que a prendem. É calro que nem todos aceitarão esse empoderamento, pois o mais fácil é justamente o modelo em que ele é assistido. No entanto, como Igreja de Cristo, servos fiéis à verdade que nos liberta, precisamos ressaltar a idéia que o verdadeiro empoderamento, que é a AÇÃO SOCIAL, implica em ajudar as pessoas a fazerem as coisas por si mesmas e não fazer por elas.

Ainda, quando pensamos em Assistencialismo entendemos que esse processo fornece ajuda temporária, a curto prazo, feitas por outras pessoas, oprimindo mais do que libertando.

Um ambiente positivo, que chamamos de Apoio, de cuidado e ânimo, que influencia as relações, dá um fôlego ou uma experiência positiva no momento ou, no tempo em que a pessoa passa ou, participa daquela ação. Findando o tempo de participação e pessoa está de volta ao seu ambiente, muitas vezes caótico.

Assim, entendemos que o Desenvolvimento enfatiza as mudanças mensuráveis no conhecimento, nas habilidades e nos talentos ou condições dos participantes nas ações em que eles mesmos assumem as responsabilidades pelas mudanças.

Dessa forma, precisamos entender que o empoderamento deve começar desde as raízes, envolvendo as pessoas e ajudando-as a serem auto-suficientes sob a direção de Deus. O promotor do desenvolvimento não é o responsável pelo desenvolvimento da comunidade. As pessoas são as que devem se desenvolver. O trabalho dever ser realizado de baixo para cima, baseado na comunidade, e não baseado na instituição, ou seja, de cima para baixo. Este é o modelo de trabalho que o Programa de Desenvolvimento Comunitário Integral – PDCI, trabalha, promovendo o desenvolvimento.

É, sem sombra de dúvidas, uma excelente ferramenta que consolida a práxis da Missão Integral da Igreja nas comunidades onde Deus a colocou para ser Sal e Luz, libertando os cativos de todas as opressões. Fomentando a promoção humana no mais amplo sentido, levando aos excluídos uma esperança de nova vida, rompendo com o assistencialismo, resgatando as pessoas da dependência social em que se encontram. A verdadeira ajuda que liberta!


“...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Jo 8.32




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Claudecir Bianco é casado com Regina, pai de Renata e Rafael. Graduado em Administração de Empresas com ênfase em Análise de Sistemas pela Faculdade Internacional de Curitiba e, em Teologia pela Faculdade Evangélica do Paraná. Atua desde 1996 em atividades sociais. É Coordenador no Brasil do Programa de Desenvolvimento Comunitário Integral – PDCI, Secretário Executivo do Instituto Vida – Desenvolvimento Humano Integral e Inclusão Social. Atua como Presbítero e Missionário através da 1ª Igreja Presbiteriana Independente de Curitiba. Coordenador e Facilitador do Curso de Capacitação para Capacitadores e de Formação de Facilitadores para o Desenvolvimento Comunitário Integral do PDCI. Na linha de Desenvolvimento Comunitário possui capacitação por Embajadores Médicos International em Nicarágua e Argentina. Autor do Curso de Planejamento Estratégico pessoal. Consultor para criação e gestão de ONG’s e projetos Sociais com sua ênfase no Estabelecimento do Shalom de Deus. O PDCI é um método prático para aplicação da Missão Integral. O autor ministra o curso de Capacitação de Capacitadores (CDC) para o desenvolvimento de projetos Sociais com ênfase na restauração do Shalom de Deus. E-mail: calbianco@hotmail.com.

REFERENCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Português – Sociedade Bíblica Internacional. Nova Versão Internacional – São Paulo: Editora Vida, 2002.
BOSCH, David J. Missão transformadora – Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão – São Leopoldo: Sinodal, 2002.
CASTRO, Clóvis Pinto. Por uma fé cidadã – a dimensão pública da Igreja. São Paulo: Loyola, 2000.
CAVALCANTE, Ronaldo. Espiritualidade cristã na história – das origens até santo Agostinho. São Paulo: Paulinas, 2007.
HORDERN, William E. Teologia Contemporânea. São Paulo: Hagnos, 2003.
PADILLA, C. René. El proyecto de Dios y lãs necessidades humanas. Buenos Aires: Kairós, 2006.
ROWLAND, Stan. Evangelismo e Ação Social – Multiplicando luz e verdade. Londrina: Multiplicação da Palavra, 2004.
WILLIAMS, Derek. Dicionário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2000.
ZABATIERO, Júlio. Fundamentos da teologia prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

SEGUIDORES DE QUEM?

SEGUIDORES DE QUEM?
Reflexão sobre a prática da Missão Integral
Claudecir Bianco


Artigos e outras reflexões estão sendo escritos sobre a Missão Integral (MI) constantemente. Alguns continuam a apresentar textos bonitos e bem escritos que nos satisfazem com sua leitura e nos dão uma sensação de que, ou estamos próximos dessa prática ou, tão distantes que sentimos que estamos seguindo outros movimentos e que nunca conseguiremos realizar essa missão. Para aqueles que se satisfazem apenas com a leitura, o sentimento que de a igreja está, de alguma forma, sendo impactada por este conteúdo, faz com que se pense que a prática também é uma realidade. Para outros que acreditam que estão distantes dessa verdade, o sentimento de revolta, vergonha e até mesmo de dúvida é inevitável. Como lidar com a proposta da MI nos dias de hoje? Será que faltamos a alguns cultos onde o tema do sermão foi a MI e ninguém nos falou a respeito? Será que a MI é impraticável nos dias atuais?

Essas e outras dúvidas já devem ter alcançado aqueles que são seguidores de Jesus. Você se lembra que você segue a Jesus... aquele... chamado Cristo... enviado por Deus, o criador e sustentador de TODAS as coisas...???

Bem, o que podemos perceber é que alguns equívocos sobre a MI estão justamente neste ponto. Estão no início da idéia ou da proposta. Alguns de nós não sabemos mais, quem estamos seguindo, daí mais uma pergunta: Seguidores de quem? Será que estamos seguindo um movimento qualquer que busca implantar “um curso” qualquer, numa comunidade qualquer, trabalhando com pessoas que nem se quer conhecemos e, que muitas vezes não queremos conhecer? Será que pensamos e vivemos nossa igreja como a mais correta e única que irá nos levar para o céu? Será que estamos tão preocupados com nossas próprias atividades diárias que a leitura e reflexão da bíblia já não tem mais sentido? Será que os ministérios desenvolvidos “dentro” da igreja são suficientes e, essa história de MI é para quem tem algum “chamado para os pobres”?

No Antigo Testamento, quando lemos sobre a criação, vemos que Deus prepara um cenário, composto e organizado de tal forma que irá atender o ser humano de forma integral. Um cenário de paz e harmonia. Uma paz, no sentido mais amplo possível, descrita da seguinte forma:

A palavra paz do AT – Shalom - significa “completude”, “saúde” e “bem-estar”. Pode significar prosperidade material (Sl 122.6ss.) ou segurança física (Sl 4.8), mas também pode significar bem-estar espiritual associado à retidão e à verdade (Sl 85.10; Is 57.19ss.). Era considerada um presente de Deus, de modo que a era messiânica seria um tempo de paz (Is 11.1ss.). O NT mostra o cumprimento dessa esperança; Jesus trouxe a paz (Lc 1.79) e a concedeu a seus discípulos (Lc 7.50). A palavra do NT contém todo o significado de Shalom e está ligada à retidão (Rm 14.17). O sacrifício de Cristo pelo pecado traz às pessoas paz com Deus (Rm 5.1) seguida de paz interior (Fp 4.7) não turvada pelas lutas do mundo (Jo 14.27). Jesus morreu em parte para criar a paz entre as pessoas (Ef 2), mas elas devem promovê-la ativamente [grifo meu] (Ef 4.3) já que o Espírito as enche dela (Gl 5.22). (WILLIAMS, 2000, p. 280).

O mundo criado e existindo na mais perfeita ordem, o Shalom estabelecido. Para Castro, Shalom:
Representa um estado de integridade, harmonia, inteireza e unidade. Relaciona-se também à idéia de bem-estar-social, prosperidade, plenitude de vida, realização de vida pessoal, comunitária e nacional. (CASTRO, 2000, p. 96).

Tudo o que foi criado, foi colocado à disposição do homem para que ele o utilizasse, cuidasse e administrasse. Assim, a sabedoria do criador não se limitou em atender apenas a área espiritual do ser humano, mas, de forma majestosa, deu a ele alimento, água, ar e tudo mais. Ainda, para atendê-lo de forma mais completa, o criador lhe deu uma auxiliadora. Pode-se observar aqui que o ser humano é uma unidade de corpo, alma e espírito, inseparáveis entre si. Dessa forma, pode-se imaginar que as necessidades básicas do ser humano foram atendidas. Observa-se que, mesmo com a queda, estas necessidades não foram extirpadas, mas foram de certa forma, “prejudicadas” em sua essência.
Corrobora com este pensamento o autor Juan Stam quando afirma:

A criação não se contempla separada da salvação, nem a salvação separada da criação. Por isso, a teologia bíblica da criação é absolutamente indispensável para nossa fiel compreensão tanto do Evangelho como da missão da Igreja. Jamais podemos entender biblicamente a salvação e a missão se desvincularmos da criação. (STAM, apud PADILLA, 2006, p. 30).

Pode-se entender, a partir dessa citação, entre outras coisas, que o propósito da missão da Igreja não é somente a salvação da alma, mas a transformação da pessoa na sua totalidade, de modo que esta transformação glorifique a Deus em todas as dimensões da vida humana. A igreja necessita voltar-se para o estudo sistemático da Palavra de Deus e sua aplicação prática no dia-a-dia.

No Antigo Testamento, verificamos que existe uma clara atenção de Deus pelos pobres e oprimidos. Não significa dizer que Deus faça acepção de pessoas ou de classe social. Mas, com certeza, Ele olha de maneira especial para aqueles que não têm vez, que não têm voz, que não têm suas necessidades básicas atendidas. Observam-se várias citações Bíblicas que nos é apresentada as causas, realidades e conseqüências da pobreza. Outras citações falam do oprimido, do humilhado, do desesperado, do que clama por justiça, do fraco, do desamparado, do destituído, do carente, do pobre, da viúva, do órfão e do estrangeiro. Podemos encontrar outras citações, como, por exemplo, no livro de Isaías, capítulo 58, versículos 2 ao 12.

Pois dia a dia me procuram; parecem desejosos de conhecer os meus caminhos, como se fossem uma nação que faz o que é direito e que não abandonou os mandamentos do seu Deus. Pedem-me decisões justas e parecem desejosos de que Deus se aproxime deles. “Por que jejuamos”, dizem, “e não o viste? Por que nos humilhamos, e não reparaste?” Contudo, no dia do seu jejum vocês fazer o que é do agrado de vocês, e exploram os seus empregados. Seu jejum termina em discussão e rixa, e em brigas de socos brutais. Vocês não podem jejuar como fazem hoje e esperar que a sua voz seja ouvida no alto. Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, e se incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinza? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor? “O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo o jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda. Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou. “Se você eliminar do seu meio o jugo opressor, o dedo acusador e a falsidade do falar; se com renúncia própria você beneficiar os famintos e satisfazer o anseio dos aflitos, então a sua luz despontará nas trevas, e a sua noite será como o meio-dia. O Senhor o guiará constantemente; satisfará os seus desejos numa terra ressequida pelo sol e fortalecerá os seus ossos. Você será como um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam. Seu povo reconstruirá as velhas ruínas e restaurará os alicerces antigos; você será chamado reparador de muros, restaurador de ruas e moradias. (Isaías 58.2-12 - NVI).

Como está sendo nossa prática, como povo de Deus? Sem dúvidas, a Igreja de Cristo tem crescido, mas qual está sendo sua missão? A quem estamos seguindo? Estamos seguindo a homens, normas, leis, modismos...??

Outra citação pertinente está no livro de Ezequiel, capítulo 16, versículo 49, que afirma que o pecado de Sodoma, além do orgulho, da vaidade e da imoralidade, era que aquela cidade, sendo rica e abastada, nunca atendeu o pobre e o necessitado: “não fortalecia a mão do infeliz e do pobre.” (Ez 16.49).

Assim, pode-se observar que todas as orientações de Deus para seu povo no Antigo Testamento, apresentavam os objetivos de cuidado e zelo (Shalom) para aquele que sofria e era oprimido.

No Novo Testamento, no evangelho de João, capítulo 10, versículo 10b, Jesus diz:“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.”

O entendimento desse versículo é tão desafiador como é a prática da MI da Igreja neste mundo em transformação. Há a necessidade de entendimento de que a prática da MI está ligada diretamente na ação que Deus espera de seu povo. Passa pela compreensão que este povo foi restaurado pela morte e ressurreição de Jesus. Mostra que é uma ação prática e envolvente na comunidade local. Não são ações vazias de significados, porém, concretas e com objetivos definidos. Não é uma ação realizada por uma única pessoa, mas de uma equipe coesa, transformada pela ação de Deus em suas vidas, disposta, solidária e apaixonada pelo que faz.

Conforme Zabatiero (2005, p. 125): “Todo fazer teológico deve ser prático, ou seja, todo fazer teológico tem como finalidade orientar a ação cristã presente em resposta ao agir de Deus – no passado, presente e futuro.”

Assim, como no passado, Deus levantava um profeta para denunciar as corrupções e as idolatrias do povo, assim deve ser no presente. Da mesma forma como Deus anuncia um renovo através do envio Jesus, a restauração do Shalom se estabelece, assim deve ser o anúncio hoje e no futuro. No entanto, num mundo de constantes mudanças, dificuldades surgem e confunde a muitos.

Para Hordern:
A Teologia deve levar em consideração as condições contemporâneas. Nunca bastará que simplesmente se repita o que disseram os teólogos do passado. Eles foram realmente grandes, pelo fato de que fizeram aplicações da Palavra de Deus atendendo às exigências de sua época. Em vez de ficarmos repetindo suas idéias, o que temos de fazer é realizar para o nosso tempo o que eles entenderam necessário para o tempo quando viveram. Barth insiste que seus alunos leiam muito, tendo a Bíblia numa das mãos e os jornais na outra. (HORDERN, 2003, p. 167).

Mesmo assim, parece que o entendimento de MI do povo de Deus ainda está ofuscado por iniciativas farisaicas, superficiais e muitas vezes assistencialistas.

Para Bosch: “... a missão é, simplesmente, a participação das pessoas cristãs na missão libertadora de Jesus.” (HERING, apud BOSCH, 2002, p. 619).

Simples assim. Ao mesmo tempo, tão complexa que vários encontros seguem acontecendo, ano após ano, com o intuito de discutir e refletir sobre os mesmos assuntos. Reconhecemos que muitas ações e propostas surgiram decorrentes destes encontros, mas as orientações já foram passadas para a Igreja há mais de 2000 anos.

Para Rowland:
O amor de Deus pelo homem é o agente fundamental de mudança na vida das pessoas. O caráter de Deus é o amor. Seu propósito e Seu desejo são nos regenerar como indivíduos, de maneira que Ele possa canalizar Seu amor através de nós para um mundo faminto de amor. (ROWLAND, 2004, p. 262).

Todavia, há em cada cristão uma tensão entre o novo e o velho homem. Algo que muitas vezes impede uma prática mais efetiva de vida eclesiástica, social e, até, dificultando o amor ao próximo, conforme Cavalcante:
Pessoalmente a vida do cristão pode ser descrita como uma batalha, uma tensão entre o antigo e o novo. Há um clima constante de inadequação: estamos no novo éon, mas o antigo ainda subsiste. Assim, o cristão testemunha em si a luta entre os desejos da carne e a vontade do Espírito que nele habita, mas que não consumou sua obra, o que acontecerá mediante a ‘ressurreição do corpo’, quando então o cristão terá um ‘corpo espiritual’ inteiramente dirigido pelo Espírito. (CAVALCANTE, 2007, p. 82).

Esse testemunho e essa luta constante deverão levar o cristão ao encontro do outro de forma integral. A partir de uma mente renovada pela ação do Espírito Santo, o cristão e sua Igreja devem procurar enxergar sua comunidade com outros olhos. Olhos de compaixão, de amor, de solidariedade, para que assim, possam, de forma concreta, se encarnar na vida comunitária e promover as mudanças necessárias, motivando os membros das Igrejas a serem testemunhas e instauradores do Shalom de Deus.

Conclui-se, portanto, que a Missão Integral da Igreja é totalmente bíblica; conseqüentemente, não deve ser uma filosofia cega ou um modismo passageiro. A Igreja precisa evangelizar sua comunidade, prestando a ela um serviço responsável, cumprindo a tarefa de Cristo.

Missão Integral traduz-se como a ação do povo de Deus na comunidade. É a práxis cristã restaurando o Shalom. É a busca e o estabelecimento da justiça de Deus. É a cosmovisão Teista sendo fortalecida e desenvolvida na Igreja e, conseqüentemente, na comunidade. São ações fundamentadas no amor a Deus e ao próximo, ações que, ao longo do tempo, cria vínculos e estabelece relações duradouras.

A Igreja deve se encarnar na comunidade de tal forma que caminhe com ela, devendo assim, exercer ações críticas e proféticas, que denunciem a injustiça humana e anunciem a justiça de Deus. É uma Igreja que é transformada e procura transformar os outros. É uma Igreja que anuncia e vive o Evangelho de vida abundante porque o Shalom de Deus chegou até ela, e ela, vive a Missão Integral.

Portanto, a MI só se realiza quando uma igreja recebe com discernimento o testemunho da Escritura, obedece e dispõe-se a assumir o custo da fidelidade a Deus. A MI nasce de cada página sagrada, concretiza-se em nossos contextos históricos e se orienta colocando todas as coisas sob o senhorio de Jesus Cristo. O Espírito Santo abre nosso entendimento e nos sustenta com sinais que anunciam a presença libertadora do Reino de Deus. Cabe a cada um aceitar o desafio e cumprir com sua responsabilidade como povo de Deus.

Quem, verdadeiramente você está seguindo?
Há a necessidade de compromisso ainda maior, por parte dos Cristãos (os seguidores de Cristo) com as comunidades, onde o próprio Deus os colocou, para que ainda hoje, como povo de Dele, se estabeleça a Sua PAZ... que é o Seu SHALOM!

Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao SENHOR;
porque na sua paz vós tereis paz.
Jeremias 29.7