quarta-feira, 12 de maio de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Como vivemos a salvação

ZABATIERO, J. P. T. (org.) Curso Vida Nova de Teologia Básica. Teologia Sistemática. – Como vivemos a salvação. 2006, pp. 121-135.

Por Claudecir Bianco – 12/05/2010

Há diversas expressões da espiritualidade cristã, tantas quantas são as experiências que os crentes, nas mais diversas igrejas, têm de Deus e da vida em sua relação com Deus. Há também diversas explicações teológicas da espiritualidade. Aqui estará limitado pela ênfase na práxis missionária do povo de Deus. A experiência do Espírito na vida dos cristãos.

Deus sempre age em sua triunidade, e nenhuma das ações de Deus pode ser atribuída exclusivamente ao Pai, ao Filho ou ao Espírito Santo. Não cremos em três deuses, mas em um só, que é Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo.

Outro erro a ser evitado é o de confundir a experiência do Espírito com os estados de espírito da pessoa. Sermos espirituais não pode ser definido como experimentarmos tal ou qual estado emocional, psíquico ou moral. Significa sermos vivificado, conduzidos, animados e plenificados pelo Espírito de Deus. E caberá a você, leitora ou leitor, a tarefa de vincular a discussão neste capítulo com as compreensões mais tipicamente tradicionais e eclesiais da vida no Espírito.

Experiência de Participação
A característica mais elementar e fundamental da experiência do Espírito é a de participação. Como tal, a experiência da participação é experiência de gratuidade divina, da graça (ou amor) de Deus derramada sobre a humanidade pecadora e sobre toda a criação.

No vocabulário neotestamentário, o termo mais comumente usado para participação é o termo comunhão (koinonia, em grego). Comunhão é “ser como um”.

O Espírito nos torna participantes de Deus porque é ele quem, como representante da Trindade, concretiza no crente a justificação, a regeneração, a santificação e a libertação. Todos esses termos são metáforas que descrevem cada um a sua maneira, destacando aspectos diferentes, a multiforme graça de Deus. Cada uma dessas metáforas traz uma ênfase específica, mas, no final das contas, todas são descrições parciais de uma mesma e magnífica realidade, que é o agir de Deus que nos coloca de volta na vida plena em comunhão com ele e com toda a sua criação, que nos torna participantes de sua própria vida e ação.

Nos escritos paulinos, a metáfora mais comum para a participação na divindade efetuada pelo Espírito em nós é a do “estar em Cristo”. Conforme diz Paulo: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.19-20). No evangelho de João, a noção da participação na divindade é descrita principalmente mediante a afirmação de que Deus Pai e Deus Filho tornam-se um naqueles que crêem, e vice-versa.

Nas teologias ocidentais (tanto católicas como protestantes), essa ênfase mística não tem sido muito ressaltada, especialmente por causa dos antigos debates sobre a doutrina da justificação pela fé. Entendida a justificação como um ato judicial de Deus que declara justa a pessoa que crê em Cristo. Se, porém, entendemos também a justificação como um ato real e transformador de Deus – tornando justa a pessoa que crê – recuperamos essa dimensão mística da experiência do Espírito, ou da vida cristã. Com isso, damos à palavra mística um novo sentido, não mais uma questão de experiências emocionais e privativas intensas, mas a plena e real participação na obra de Deus.

Tendo sido feitos participantes dele, também somos tornados participantes de um novo povo, de uma nova comunidade – a que costumamos chamar de igreja, o povo de Deus.

A experiência do Espírito é uma experiência de nos tornar participantes, em Cristo, do povo de Deus. A nova comunidade a que pertencemos é comunidade de adoração a Deus – no culto, na vida e na missão; é comunidade cuja natureza é agir de forma semelhante a Jesus Cristo, seu cabeça e seu rei.

Um erro é deixar de perceber que a igreja não é o ponto de chegada do agir de Deus.

A igreja não é um fim em si mesma; ela é o meio de Deus para a salvação de toda a humanidade.

A salvação não abrange só a humanidade, mas também toda a criação. A experiência do Espírito não nos tira do mundo, mas nos torna parceiros de Deus na libertação de toda a criação, tornando-nos participantes da nova criação de Deus, o que podemos chamar de dimensão ecológica da salvação. Durante muito tempo se falou da salvação como ser salvos do mundo, mas é preciso também falar da salvação como ser salvos com o mundo – se entendemos o mundo como a criação divina. A experiência do Espírito nos coloca, enfim, em comunhão com Deus, com o povo de Deus, com a humanidade e com toda a criação que geme e clama, ansiando pela salvação ofertada graciosamente por Deus em Cristo Jesus.

Tudo isso aponta para um objetivo: participamos de Deus para sermos co-missionários com ele na salvação de todo o cosmo, de toda criação. Participamos de Deus para sermos co-enviados com o Filho de Deus para a libertação de toda criação. Participamos de Deus para que Cristo reine sobre toda a criação.

Experiência de Liberdade
Verbos que descrevem a ação de Deus: ele vê, ouve, conhece, desse para fazer subir, e envia Moisés para libertar o povo do Egito. Libertar é uma ação pessoal de Deus, que se torna solidário com o povo e com a pessoa oprimida/escravizada, e modifica essa situação.

A experiência da libertação, concretizada pelo Espírito em nós, é a experiência de nos unirmos a Cristo, de participarmos com ele na ação libertadora do Deus trino e uno.

Repare na integridade da ação libertadora na nova vida do ser humano: ela inclui a dimensão físico-corpórea, a dimensão corpóreo-espiritual, a dimensão psíquica, a dimensão social, a política e a dimensão cósmica.

1- Somos libertos para ser livres
É mais fácil nos conformarmos com o mundo do que sermos transformados por Deus para transformar o mundo. “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gl 5.1).

Somos livres em relação ao pecado para o amor – quem foi liberto do pecado transformou-se em escravo de Cristo, escravo da liberdade, escravidão que é, paradoxalmente, liberdade – pois, livres do pecado, estamos sujeitos a Deus, em Cristo Jesus (cf Rm 6).

Viver no Espírito é resistir contra toda dominação e escravidão, livres para participar de Deus em sua ação missisonária no mundo.

2- Somos libertos para ser santos
Pecado e carne são termos técnicos de Paulo para descrever a condição humana (e de toda a criação) de escravos da morte, do reino das trevas, do pecado ou da carne. A libertação, por sua vez, é o mais poderoso ato de Deus em relação a sua criação escravizada. O Espírito concretiza em nós a libertação de Deus em Cristo. Pecado não pode ser entendido apenas como os atos pecaminosos que cometemos, mas como uma estrutura de vida a que estamos submetidos. É mais fácil viver na carne do que viver em santidade.

Santidade é uma expressão da liberdade em Cristo, mas quantas vezes o povo de Deus confundiu santidade com escravidão – com legalismo!
Até hoje há cristãos que confundem santidade com moralismo; santidade com religiosidade; santidade com obediência às regras da instituição eclesiástica. Santidade é a manifestação da liberdade de vivermos de forma semelhante a Jesus Cristo.

Experiência de Conflitividade Escatológica
A experiência do Espírito, que é de participação e liberdade, também é de conflitividade escatológica. Segundo o Novo Testamento, já vivemos no fim dos tempos. Nesse tempo escatológico, a experiência do Espírito é experiência de primícias e de penhor. Como experiência escatológica, nossa participação em Deus e a nossa liberdade no Espírito ainda não são vivenciadas em sua plenitude – por isso, ainda pecamos, ainda sofremos, ainda gememos, ainda duvidamos, ainda lutamos. Por isso, a experiência do Espírito é experiência de conflitividade. O grande inimigo da experiência do Espírito em nós é a carne.

Carne, na teologia paulina, não é o corpo humano, mas a disposição humana de viver longe da comunhão com Deus, fora do reino de Deus, distante do amor divino. Todo ser humano sem Cristo vive na carne, dela é escravo, a ela serve e dela recebe a morte como recompensa.

A espiritualidade cristã é, primordialmente, uma vida cotidiana de conflito entre o Espírito de Deus e a carne. Essa é a mística cristã, a mística da entrega total, da plena rendição da pessoa à direção do Espírito, porque o querer humano, mesmo o do crente, é impotente contra o pecado e a carne (Rm 7.14-24). Ser espiritual não é ser fraco, resignado, entregue aos desejos carnais do pecado. Ser espiritual é ser uma pessoa firme, resistente; pessoa que, na força do Espírito Santo, resiste a todos os apelos de volta à escravidão da vida sem Deus.

Essa conflitividade é pessoal, é comunitária e cósmica. A experiência cristã no Espírito não nos separa do mundo.

Um cristão carnal é uma pessoa que, tendo conhecido a Cristo, anula e apaga o Espírito de Deus em sua vida, entregando-se a carne para viver o estilo de vida deste mundo. Um cristão espiritual é, ao contrário, uma pessoa que se entrega ao Espírito, dá liberdade ao Espírito, em sua vida, para agir e transformá-la em conformidade com o caráter de Cristo. Um cristão espiritual é sempre uma pessoa missionária, que constantemente ora, estuda a Palavra, adora a Deus e, na comunhão do povo de Deus, sob a força do Espírito Santo, combate o bom combate, vivendo de forma santa, justa e piedosa no mundo, dando sempre testemunho de Jesus Cristo em tudo o que faz.

Experiência de Transformação Pessoal
Na teoria, todos os seres humanos são iguais, mas, na prática de sociedade capitalista, por exemplo, são dignas somente as pessoas que têm, que compram e vendem, que participam do mercado, que “aproveitam as oportunidades”, que são vencedoras. Em alguns casos, a própria fé cristã é usada como instrumento dessa desumanização – e também por isso precisamos compreender bem o que significa ser transformados pelo Espírito, sermos novas pessoas, pessoas santificadas, separadas.

Tomar a cruz e seguir Jesus não pode ser entendido como anulação da humanidade, como desprezo pelo corpo, como transformação da pessoa em objeto, nem como rendição a qualquer poder humano que se apresente como atraente e salvador – significa, sim, construir um estilo de vida semelhante ao de Jesus Cristo. Fazer morrer a natureza terrena não é anular e mortificar o corpo, mas lutar contra a carne e contra o pecado.

No Espírito, a vida humana encontra sua verdadeira dignidade, seus verdadeiros propósitos, sua verdadeira energia.

Um erro comum em alguns sistemas teológicos é confundir a vida no Espírito com a vida sem corpo, uma vida incorpórea, como se nos tornássemos anjos após a conversão. Pelo contrário, a experiência do Espírito é experiência do corpo, no corpo, para o corpo humano. Outro erro comum é confundir a santidade com a repressão dos prazeres legítimos do corpo humano – como os prazeres advindos da comida, do esporte, do lazer, do sexo, da música, das artes, etc.

Corpo santificado é corpo dignificado para também sentir prazer, viver em prazer, desfrutar de todas as coisas boas criadas por Deus.

Corpo santificado é o corpo da pessoa que sabe discernir entre as coisas que convêm e as que não; entre as que edificam e as que não edificam – ética da liberdade e da responsabilidade.
Viver humanamente, com dignidade e honra, é viver para concretizar a vontade de Deus em benefício de toda criação, é vida missionária. É viver como cidadã e cidadão do Reino de Deus que, em tudo o que faz, dá testemunho do Reino de Deus – em casa, no trabalho, no lazer, no estudo, na política, etc.

Experiência de Criatividade Sociocultural
Um erro derivado do individualismo moderno é a separação entre vida pessoal e vida social. Uma vida digna, plena, não pode ser vivida individualisticamente. Todo ser humano vive em sociedade, e viver transformadamente é, também, viver transformadoramente. A vida em sociedade possui múltiplas dimensões: social, cultural, econômica, política. A experiência do Espírito nos capacita a viver criativamente em todas essas dimensões. Ser cidadão da cidade celestial não anula a nossa cidadania terrena; ao contrário, permite com que cada cristã e cristão viva de forma mais intensa, democrática e justa a sua cidadania, torne-se responsável por seu país e povo e vivencie os valores de uma nova sociedade, na qual as divisões e barreiras produzidas pelo pecado não mais tenham lugar – cidadania que resiste contra todos os sexismos, racismos, classismos e quaisquer ideologias que impeçam que cada pessoa tenha vida plenamente digna. A experiência do Espírito é experiência que nos convoca à participação na vida política sob a ótica da justiça, a fim de que as instituições e estruturas do Estado estejam efetivamente a serviço do povo.

A experiência do Espírito nos possibilita viver com liberdade e solidariedade. Quem vive no Espírito não serve a Mamon, nem fica preocupado com o sustento e o dia de amanhã, pois sabe que Deus é o sustentador de toda a sua criação. A experiência do Espírito nos conduz a uma vida economicamente simples, baseada na dignidade e na solidariedade. Em relação à dimensão cultural, a experiência do Espírito estimula toda a criatividade humana para construir valores, imagens, símbolos, arte, literatura, dança, enfim, todas as expressões culturais legítimas que podem ser meios de humanização e também de comunicação do evangelho.

Leva o povo de Deus a valorizar a diversidade cultural e usá-la para vivenciar os valores do reino de Deus expressando-os das mais variadas formas culturais possíveis. Contextualização e inculturação são os termos que, na teologia da missão, têm sido usados para descrever a dimensão cultural da missão do povo de Deus.

Mas nos convocam, também, a inculturar o evangelho de forma justa e santa, de modo que possamos construir formas culturais cada vez mais cheias da luz de Cristo.

Para Concluir:-
Esses critérios devem nortear toda a nossa busca por vida espiritual, por vida em plenitude, por santidade, por espiritualidade. Não é papel da teologia legislar sobre como deve ser a vida cristã de cada um em seus detalhes – mas é papel da teologia ajudar cada cristão a viver a experiência do Espírito com autenticidade e fidelidade ao Deus que se nos revela em Cristo e na Escritura. Viver no Espírito dura toda a vida do crente. De fato, dura por toda a eternidade.

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Muito interessante esse texto de Julio Zabatiero. Da mesma forma como é esclarecedor é também muito prático. Com a característica que lhe é peculiar (a clareza) Zabatiero escreve pontos já conhecidos, porém com afirmações objetivas e exemplos diretos. Ao aportar e escrever sobre alguns erros, o autor nos despertar para refletirmos em tantos outros erros presentes nas mais diversas igrejas e denominações.

Daí podemos pensar: O que estaria acontecendo com a Cristandade, de forma geral? Algumas respostas me passam à mente. Muitos estão interpretando as escrituras da forma como lhe convêm, outros a interpretam com muita superficialidade. Ainda outros, que não querem nem ler, muito menos interpretar, a partir daí “qualquer” interpretação lhe serve.

Se a igreja e seus membros continuarem por não estudarem a bíblica, com tempo e profundidade, com certeza em pouco tempo teremos que corrigir muitos outros pensamentos e ações equivocadas e erradas dessas pessoas que querem viver um evangelho de facilidades.

Poucos buscam ter “experiências” com o Espírito Santo. Porém muitos querem benefícios e até determinados dons, mas sem muitos esforços. Quando o autor fala das experiências, não são as reações dos fiéis em determinados cultos, mas na continuidade do culto na segunda, terça, quarta... Não são alguns minutos de euforia, mas são dias, meses, anos, buscando incessantemente ser cheios do Espírito de Deus, como diz Paulo em Efésios 5.18 “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito.” À medida que vamos procurando, com humildade e sinceridade, ser cheios do Espírito Santo, somos guiados por Ele, nos esvaziamos de nós mesmo.

Meu querer, meus desejos ficam num segundo plano.
Há realmente a transformação que o autor afirma.
Há a libertação.
E nesta transformação e liberdade, somos conduzidos a frutificar e servir ao Senhor com alegria.
Se isso não ocorre na vida do crente, mais um erro ele deve procurar esclarecer: Será que realmente entreguei minha vida para Jesus?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: A Igreja na Teologia Reformada do Século Dezesseis

MCNEILL, J. T. Grandes temas da tradição reformada – A Igreja na Teologia Reformada do Século Dezesseis. São Paulo: Pendão Real, 1998, pp. 150-159.

Por Claudecir Bianco – 06/05/2010

Os fundadores do protestantismo não se propuseram somente a um reavivamento da piedade pessoal: também era seu objetivo reestruturar formas corporativas de religião. Eles não buscaram converter indivíduos à fé protestante somente para deixá-los numa situação de isolamento solitário; trabalharam para reedificar a Igreja e sentiram-se profundamente chamados a serem agentes desta restauração.

A eclesiologia é uma parte proeminente e essencial de sua teologia.

Antes da Segunda Guerra Mundial, teólogos historiadores do continente europeu estiveram examinando a eclesiologia dos reformadores, com crescente entusiasmo e atenção aos detalhes.

A substância deste trabalho deriva das declarações de reconhecidos líderes do ramo reformado do protestantismo e, neste campo, se restringe às passagens mais características dos trabalhos de Zuínglio, Bullinger, Calvino e Zanchius.

No pensamento dos teólogos reformados, luteranos e calvinistas, como também no de Agostinho, o conceito de Igreja se move dentro de uma elipse cujos focos são a perfeição celestial e a imperfeição humana.

No primeiro debate de Zurique (1523), Zuínglio afirma que a verdadeira Igreja não é terrestre, mas espiritual, “a noiva sem mácula de Jesus Cristo, governada e animada pelo Espírito de Deus”. No seu Tratado Sobre a Verdadeira e a Falsa Religião (1525), ao analisar a Igreja de Cristo, destaca que ela não é a hierarquia, mas o povo cristão.

Ao lado do corpo defeituoso e empírico dos que professam a fé, Zuínglio coloca o que ele chama de “uma segunda espécie de Igreja”, que consiste daqueles que são verdadeiramente fiéis e que é “a Igreja gloriosa e nobre, a esposa de Cristo, sem qualquer mácula ou ruga”.

Cada uma das igrejas em particular tem autoridade disciplinar sobre seus membros, “mas todas estas igrejas são uma só Igreja, a esposa de Cristo, que os gregos denominam católica e nós, universal.

Em 1530, Zuínglio apresentou uma declaração de suas crenças a Carlos V – Fidei ratio (“Uma justificativa da fé”). Ele distinguiu os diversos significados da palavra Igreja nas Escrituras: 1- a Igreja exclusiva dos eleitos que é conhecida unicamente por Deus; 2- a Igreja universal perceptível (universalis sensibilis eclésia) dos cristãos nominais ou professantes (os quais, porém, são algumas vezes denominados os “eleitos”, como em 1 Pedro 1.1-2); 3- cada congregação local da Igreja universal e visível. A última, quando mantém a verdadeira confissão, é uma só por toda parte e inclui as crianças batizadas.

O texto “Pequena e Clara Exposição da Fé Cristã”, dirigido a Francisco I, em 1531, contém uma breve declaração a respeito da Igreja. Aqui, seu pensamento gira ao redor das palavras invisível e visível, bem como da relação entre a Igreja e o estado. Os membros da Igreja invisível são conhecidos somente por Deus e por si mesmos. A Igreja visível não é a romana, mas a de todos os cristãos batizados. Visto que alguns destes membros rebeldes e traidores, indiferentes às censuras da Igreja, há necessidade de um governo temporal para reprimir tais pecadores.

Bullinger segue e, em alguns pontos, expande o ensino de Zuínglio sobre a Igreja. Nas “Décadas” (1549-51), Bullinger, citando Cipriano, Agostinho, Gregório, o Grande, Pascásio, Leão, o Grande, e Tomás de Aquino, a respeito da omissão da palavra em na afirmação do credo: “Creio na santa Igreja católica”, interpreta que a cláusula significa que “devemos conhecer e confessar a Santa Igreja Católica”.

A Igreja de Cristo “se estende por toda a extensão do mundo e por todas as épocas, contendo todos os fiéis, desde o primeiro Adão até o realmente último santo”.
A Quinta Década de Bullinger (1551) constitui um extenso tratado a respeito da Igreja. “A Igreja Católica” e contém os principais elementos de sua eclesiologia. Ele descreve a igreja como “toda a companhia e multidão dos fiéis”.

Esta Igreja é normalmente denominada católica, isto é, universal. Pois ela estende seus ramos por todos os lugares do vasto mundo, em todos os tempos de todas as épocas; e em geral compreende todos dos fiéis do mundo todo. Bullinger distingue a Igreja triunfante da militante, lutando contra o pecado no mundo- como os “membros vivos” da interna e invisível Igreja de Deus, como nós professamos no Credo, e – como a Igreja “externa e visível” dos que professam a verdadeira religião, alguns dos quais são infiéis.

Muitos aspectos subordinados da doutrina são mencionados neste sermão. Ele termina com uma seção devota à questão do poder da Igreja – o poder para ordenar ministros, para ensinar a verdadeira doutrina, para atar e destacar, parar administrar os sacramentos e avaliar as doutrinas. Bullinger redige aqui um esboço da doutrina do poder da Igreja que viria para ser elaborada na teologia reformada posterior.
Como os outros reformadores, Bullinger enfatiza o amor que une os membros da Igreja em uma íntima comunhão, destacando passagens do Novo Testamento a respeito da caridade ou amor.

Bullinger adverte contra cismas por diversidade de opiniões que não afetam a doutrina fundamental, por infrações de ministros, por diversidade de cerimônias e por mau comportamento de membros particulares, mas justifica a saída de uma instituição na qual as obras internas e externas da verdadeira Igreja estejam ausentes. Juntamente com isto, ele enfatiza o senhorio único de Cristo sobre sua Igreja.

Em sua Instrução aos Protestantes da Bavaria (1559), Bullinger responde a uma série de questões com uma abordagem sobre as marcas da verdadeira Igreja, a Palavra e os sacramentos. Ele sustenta que a Igreja universal não está confinada no que diz respeito ao lugar e que não há salvação fora dela.

Ele desacredita a reivindicação baseada na sucessão episcopal e declara que a Igreja Romana sob o papa não é a Igreja católica universal.

Em resposta à questão a respeito de onde a verdadeira Igreja universal tem estado até agora, Bullinger aponta as igrejas gregas e oriental e os crentes separados de Roma sob o domínio turco e de outros opressores. Não há salvação fora da Igreja cristã, mas isto não pode ser dito a respeito da Igreja Romana. Ele encoraja a esperança da salvação de “nossos antepassados”.

Para mostrar a sobrevivência oculta da Igreja, Bullinger menciona a conhecida passagem de Elias e os sete mil em Israel.

O ensino de Calvino sobre a Igreja é caracteristicamente lúcido e abrangente. Exposição de seu pensamento maduro sobre “a Igreja, seu Governo, Ordens e Poderes”, que se estende através de dezenove dos vinte capítulos do Livro IV da edição de 1559, das Institutas. Como Lutero, Calvino identifica a expressão “Igreja católica” com a “comunhão dos santos” do Credo dos Apóstolos. “Ela não deve ser negligenciada porque expressa muito bem o caráter da Igreja, como se estivesse sendo dito que os santos estão unidos na comunhão de Cristo numa condição em que eles comungam mutuamente qualquer benefício que Deus lhes oferece”.

Segundo seu ponto de vista, por um lado, a Igreja é provida de membros por predestinação divina e, por outro lado, é uma assembléia ou comunidade em que os membros comungam mutuamente suas bênçãos.

Calvino distingue os dois sentidos contidos nos usos da Escritura da palavra Igreja. Em um sentido, significa a Igreja como Deus a vê, consistindo somente daqueles “que, por adoção e graça, são filhos de Deus e, pela santificação do Espírito, membros verdadeiros de Cristo.” No outro sentido escriturístico, a palavra designa “toda a multidão dispersa pelo mundo que professa adorar um só Deus e Jesus Cristo”, partilha os dois sacramentos e se conforma exteriormente à Igreja. Nesta Igreja visível existem muitos hipócritas, mas Calvino afirma a necessidade de comunhão com ela: “Portanto, assim como é necessário crer na Igreja que é invisível a nós, sendo conhecida somente por Deus, da mesma forma nos é ordenado que respeitemos e mantenhamos comunhão com esta Igreja, que é visível aos seres humanos”.

Calvino enfatiza com insistência a pecaminosidade do cisma. “Pois o Senhor estima tanto a comunhão de sua Igreja que ele considera como um traidor e apóstata da religião quem perversamente se retira de qualquer sociedade cristã que preserva o verdadeiro ministério da Palavra e os sacramentos”. O argumento de Calvino aqui leva à declaração enfática de que “sair da Igreja é renunciar a Deus e a Cristo” (Institutas, 4.1.10).

Na obra da salvação, do qual Calvino fala com entusiasmo: “Podemos aprender do título de Mãe como é útil e até mesmo necessário conhecê-la; visto que não existe outro caminho de entrada na vida, a menos que sejamos concebidos nela, nascidos nela, nutridos em seu seio e continuamente preservados sob seu cuidado e governo” (Institutas, 4.1.14). A edificação dos fiéis acontece “sob a educação da Igreja” (Institutas, 4.1.5).

Então, como a verdadeira Igreja visível é reconhecida? Onde quer que encontremos a Palavra de Deus puramente pregada e ouvida e os sacramentos administrados de acordo com a instituição de Cristo, aí, sem dúvida, está a Igreja de Deus. Ainda: onde a Palavra é ouvida com reverência e os sacramentos não são negligenciados, encontramos, quando for o caso, uma forma da Igreja, a qual não está sujeita a suspeição.

A diversidade de opinião a respeito dos pontos não essenciais de doutrina não deve ser causa de discórdia entre as igrejas. Somos tão propensos a ignorância que diferenças triviais não devem se tornar pretexto para abandono da Igreja. E, para suportarmos as imperfeições da vida devemos praticar muito mais a indulgência.
Condenar a fraqueza dos membros da Igreja é uma coisa; renunciar à comunhão da Igreja por causa disto é outra. A Igreja, não o indivíduo, tem autoridade para excomungar. Uma passagem forte de Cipriano é citada em defesa deste ponto de vista.

A Igreja é santa no sentido de que, diariamente, progride em direção à santidade: ela não chegou à perfeição.
Se estas inúmeras passagens tivessem sido observadas pelos mais intolerantes seguidores de Calvino, a história das igrejas reformadas poderia ter sido mais feliz do que foi.

Calvino observa que, no Credo, a “comunhão dos santos” é seguida, imediatamente, pela “remissão de pecados”, no que a graça de Deus é constantemente exercida para com os membros da comunidade.

Calvino também rejeita a reivindicação católica romana de que a igreja papal é a verdadeira e única Igreja. Ele afirma que aquela igreja deixou a Palavra e introduziu um culto impuro e idólatra. “A comunhão da Igreja não foi instituída como um vínculo para nos prender na idolatria, impiedade, ignorância de Deus e outros males”. Portanto, deixar a igreja de Roma não é um ato de divisão, mas uma necessidade espiritual.

Ele devota um importante capítulo (4.12) à disciplina corretiva da Igreja, que sustenta ser de primeira necessidade, como os músculos ou ligamentos que unem os membros do corpo. Pela disciplina “aqueles que caíram anteriormente podem ser punidos em misericórdia e com a brandura do espírito do cristianismo”. Calvino distingue o tratamento das ofensas privadas e notórias, bem como as delinqüências leves, para as quais a admoestação e a repreensão são suficientes, dos crimes graves, tais como o adultério, o furto, o roubo, a sedição e o perjúrio, pelos quais os transgressores devem ser excomungados.

A jurisdição disciplinar da Igreja se estende sobre todos, príncipes e plebeus, visto que, “os certos e os diademas dos reis” estão convenientemente sujeitos a Cristo (Institutas, 4.12.7).
“O desígnio da excomunhão é o de que o pecador seja trazido ao arrependimento”.
Mesmo aqueles que permanecem obstinados não devem ser “condenados à morte eterna” pela Igreja, a qual não pode estabelecer limites para a misericórdia de Deus (Institutas, 4.12.9).

Jerônimo Zanchius (Hieronymus Zanchius, 1516-90), um erudito italiano que lecionou em Estrasburgo e Heidelberg, foi muito influente entre os teólogos reformados depois da morte de Calvino.

Ele subscreveu a Confissão de Augsburgo – como explicou (1563) numa carta a Grindal – logrou contar com a aprovação de Calvino. Mais conciliador talvez do que a maior parte dos teólogos reformados, ele era realmente um discípulo de Calvino; suas obras podem ser melhor lidas como uma reafirmação da doutrina calvinista e, ao mesmo tempo, como uma introdução à era escolástica da teologia reformada.

Esta verdadeira Igreja consiste somente dos eleitos: hipócritas estão nela, mas não são dela. Zanchius considera a Igreja em suas três características: una, católica e santa. Ele expõe a doutrina da unidade da Igreja. Ela sempre foi e é um corpo, do qual Cristo foi feito a cabeça pelo Pai, e um espírito, pelo qual os membros se unem à cabeça. Ela tem uma fé, uma salvação e uma herança nos céus. Antes da vinda de Cristo, a Igreja se identificava com “aquela que existe agora e existirá até o fim do mundo”. Ela é una no que diz respeito aos tempos, aos lugares e às pessoas e, assim, “dizemos que ela é uma comunhão de todos os santos e sustentamos que foi estabelecida pela Sagrada Escritura, sendo que aqueles que se separam perpetuamente dela não pertencem a seu corpo”. A Igreja é também, em segundo lugar, santa. Ele afirma que ela é “verdadeiramente católica, isto é, universal”, porque a sua cabeça é católica e eterna, sendo que seus membros estão unidos a ela em todos os tempos e lugares, de todas as raças e nações.

Zanchius nada tem de peculiar, exceto, talvez, uma clareza de linguagem incomum que o diferencia dos outros teólogos reformados. A pura doutrina do evangelho é pregada, ouvida “e aceita com exclusividade”. O caminho seguido pela disciplina, exercida com caridade, é a admoestação privada e pública, a correção e, em casos extremos, a excomunhão.

Zanchius defende a doutrina da unidade na medida em que a pureza da doutrina é observada.
Deve-se empenhar mais pela unidade da Igreja católica em geral do que pela unidade da igreja em particular. Mas o rompimento com a igreja de Roma não é, por causa de sua apostasia um abandono da unidade do corpo de Cristo. Não pode haver nenhuma santidade e nenhuma salvação fora da Igreja católica de fé, mas este aspecto não está ligado a pessoas ou lugares específicos.

Estas passagens características oferecem alguma indicação a respeito dos elementos que integraram a exposição dos reformadores sobre a doutrina da Igreja. Eles sustentaram em comum uma concepção elevada da Igreja, como a agência divinamente ordenada pela qual as almas são “revivificadas” e santificadas. A Igreja é a santa esposa de Cristo e nesta condição, como diz Calvino, é mãe daqueles de quem Deus é Pai. Todos eles distinguiram, na Igreja, os aspectos de perfeição celestial e os aspectos de imperfeição terrena – a Igreja invisível e visível. Juntamente com os teólogos luteranos, eles negaram que a Igreja invisível é uma entidade imaginária, meramente uma espiritual República de Platão.

A tarefa da reforma da Igreja é manifestar a Igreja de Deus que está oculta.
Tanto invisível como visível, a verdadeira Igreja é “una, santa e católica”. É afirmado que a Igreja visível é católica e ecumênica. Espalhada por toda a terra, ela professa uma fé comum e conserva uma comunhão universal. A cabeça, Cristo, sendo uma, o corpo não pode ser uma pluralidade. Sua catolicidade e unidade dependem da cristocracia, e seu senhorio humano.

Não devemos ser impacientes com suas imperfeições e é um lamentável pecado sair da Igreja, enquanto ela conserva as marcas de sua realidade como Igreja.
A Igreja sobrevive a todos os ataques e tumultos, providenciando uma comunidade de filhos de Deus e servindo dinamicamente a causa do Reino de Deus no mundo, até o fim do drama terreno.

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Concordo com o autor ao afirmar que muitas ênfases sobre a Igreja estão sendo perdidas. Alias, em minha opinião, não é só assuntos como a eclesiologia que estão sendo “esquecidos” nos tempos atuais, vários assuntos que, no passado, corroboraram para uma fundamentação teológica sóbria, estão sendo deixados ao segundo plano.

Para grande parte dos Cristãos, os reformadores são totalmente desconhecidos. Falta até mesmo uma simples curiosidade para saber quem foram estes homens que ousaram se posicionar frente ao controle religioso e que promoveram este grandioso movimento.

Pessoas simples, muitos humildes, que nem mesmo salários recebiam, mas de uma coragem e fé que ainda hoje nos desafia. Muito mais do que o exemplo prático de vida destes reformadores, foi também suas habilidades em organizar de forma sistemática suas opiniões nos mais variados escritos, para que no futuro, sobre estes alicerces, pudéssemos fundamentar nossa opinião.

É um desafio, ler um texto como este apresentado por McNeill, e ter que resumir ainda mais essas maravilhosas reflexões. As argumentações aliadas às fundamentações que estes reformadores apresentam, soam como melodias aos nossos ouvidos. Por exemplo, as declarações de Calvino ao afirmar que “sair da Igreja é renunciar a Deus e a Cristo”, impressionam. Num tempo em muitos valores foram substituídos, a última coisa que uma pessoa poderia pensar seria essa, ou melhor, arrisco a dizer que ela nunca pensaria. Sempre teremos desculpas para fundamentar nossas tomadas de decisões. O problema sempre estará no outro.

Faço uso das palavras de Zanchius, apresentadas no texto, “quantos hipócritas estão na Igreja, mas não são dela”.
Devíamos cada um há seu tempo, perguntar como os discípulos, quando Jesus disse que um deles o iria trair:
“E eles, muitíssimo contristados, começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura, sou eu, Senhor?” Mateus 26.22.

Porventura sou eu Senhor, que não amo Sua Igreja como estes bravos homens amaram?

Porventura sou eu Senhor, que ainda não sei viver uma vida como o Senhor ensinou?

Que o Senhor nos ajude a amar Sua Igreja.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Do terror à esperança - Paradigmas para uma escatologia integral

ROLDÁN, A. F. Do terror à esperança – Paradigmas para uma escatologia integral. Londrina: Descoberta, 2001, pp. 77-100.

Por Claudecir Bianco – 04/05/2010

O milênio: dados bíblicos e ciência ficção
O propósito desse capítulo (3) consiste em apresentar as origens do milenarismo, os dados bíblicos sobre o tema e as escolas que se forjaram em torno ao milênio, seja a partir de uma interpretação literalista, seja a partir de uma compreensão simbólica. O capítulo finalizará com uma crítica a esse tipo de escatologia.

Origem do milenarismo
As investigações sérias realizadas no âmbito da apocalíptica coincidem em assimilar a origem judaica e intertestamentária do milenarismo, entendido como um período de mil anos de governo de Deus sobre a terra, antes do fim. Dentro do judaísmo, os rabinos falaram de uma época messiânica cuja duração era incerta. Alguns deles falavam de quarenta anos, como que rememorando o êxodo, outros falavam de quatrocentos anos, e, finalmente, alguns se referiam há mil anos.
O termo grego que é traduzido por “mil anos” e do qual vem o latim milenium é chília, razão pela qual o milenarismo também é chamado de quiliasmo. Essa palavra aparece somente em Apocalipse 20.2-7.

O fundamento bíblico para o milenarismo, entendido como mil anos de reinado literal de Jesus Cristo sobre a terra, é sumamente débil, no sentido de estar dentro de um contexto apocalíptico que, como tal, recorre permanentemente à simbologia numérica.

Os milenaristas oferecem muitas citações de textos do Antigo e do Novo Testamento para apoiar suas afirmações, mas se trata, certamente e como veremos, de extrapolações ou aplicações das idéias milenaristas e passagens bíblicas que não necessariamente se referem a esse período futuro de reinado de Jesus Cristo por mil anos, a partir de Jerusalém.

Desenvolvimento histórico do milenarismo
As idéias milenaristas, de alguma maneira, remontam a alguns Pais da Igreja que vislumbraram uma espécie de reinado literal de Jesus Cristo por mil anos sobre a terra. Mas um dos personagens chave foi Montano, que, em meados do século II, pretendendo ser um profeta de Deus, proclamou o tempo do Espírito Santo.
Eusébio de Cesaréia, primeiro historiador sistemático da igreja no século IV, interpretou o reinado de Constantino como o começo do milênio. Agostinho de Hipona, na primeira etapa de seu pensamento, subscreveu a idéia de um milênio literal. Depois mudou para uma idéia espiritual do milênio. Agostinho fala de duas maneiras que se podem interpretar os “mil anos”. Uma é entender que os mil anos correspondem ao “sexto milênio, como se fosse o sexto dia, do qual os últimos períodos estão transcorrendo agora”. A outra – e mais provável – de interpretar os mil anos é tomar essa cifra pelos anos totais desse mundo, citando com um número perfeito a plenitude do tempo.

Mais adiante, Agostinho, define melhor sua interpretação do milênio, dizendo: “Efetivamente, a igreja reina em companhia de Cristo agora.”

Mas a verdadeira reatualização do milenarismo veio com Joaquim de Fiore (1145-1202), fundador de um mosteiro em Fiore, uma aldeia da Calábria, na Itália. Joaquim proclamou a vinda da redenção com a vinda do Espírito Santo.

Lutero intuiu a proximidade do dia do juízo final. Ele identificava Babilônia com a Roma católica, e o papa com o Anticristo.

O mais enérgico e violento apocalíptico desse período da Reforma foi Tomás Müntzer, que pugnou por fazer cumprir a vontade de Deus e o Reino de Deus através da espada. Em uma apelação difundida em Praga em 1521, Müntzer instava a população a purificar a igreja usando até de violência física, no espírito do profeta Elias frente aos sacerdotes de Baal.

Mas o fim de Müntzer foi trágico, pois foi decapitado a 27 de maio de 1525.

Em nosso âmbito latino-americano, a influência das idéias milenaristas que se verificou na época das independências, quando foi publicada a obra do jesuíta chileno Manuel Lacunza.

Chama a atenção que um fundamento bíblico tão conciso tenha despertado tanto interesse através do tempo, gerando movimentos milenaristas de cunho mui diverso e, por outro lado, que o milênio se tenha transformado no eixo central a partir do qual foram elaboradas as distintas escolas escatológicas.

O pré-milenarismo dispensacionalista
Começamos com o pré-milenarismo dispensacionalista, influência no âmbito evangélico mundial, incluindo nosso contexto latino-americano. É uma variante moderna do pré-milenarismo. Seus começos remontam ao século XIX e ele foi construído a partir das idéias antigas dos Pais da Igreja em torno de um juízo final. Esse último pré-milenarismo é chamado precisamente de “pré-milenarismo histórico” pelo fato de remontar-se aos primeiros séculos da história da igreja. Deve ficar bem claro que nem todo milenarista é dispensacionalista, enquanto todo dispensacionalista, por definição, é pré-milenarista.
Darby, neto do famoso Almirante Nelson, fez uma reinterpretação da Bíblia a partir de “dispensações”, entendida como “economias” no sentido de diferentes tratos ou convênios de Deus com a humanidade.

Que afirmação faz o dispensacionalismo? Um de seus postulados fundamentais é que as dispensações representam formas distintas em que Deus tratou com o ser humano: a dispensação da lei, da graça, do governo humano.

Outra ênfase do dispensacionalismo é sua hermenêutica literal. Disse Ryrie: “O literalismo conseqüente é a base para o dispensacionalismo e, desde que o literalismo conseqüente é o lógico e óbvio princípio de interpretação, o dispensacionalismo está mais que justificado.”

O dispensacionalismo dá uma forte ênfase em Israel. Parte do pressuposto de que o reino que Jesus ofereceu a Israel foi o reino teocrático de Davi, ou seja, um reino terreno de caráter judaico. Quando Israel rejeita essa oferta como que ocorre uma mudança de direção, o reino é suspenso e Jesus funda a igreja.

Já entrando em terreno decididamente escatológico, o dispensacionalismo afirma que a chamada “segunda vinda de Jesus Cristo” acontecerá em duas etapas. A primeira delas, chamada de “arrebatamento”, significa que a igreja será tomada por Jesus Cristo a fim de ser levada ao céu, em cumprimento.

A motivação parece ser a fuga da grande tribulação.
A segunda etapa será a “revelação”, isto é, a vinda de “duas segundas vindas”: uma para a igreja, outra para o mundo. Terão lugar duas vindas, uma secreta e outra pública.

O dispensacionalismo afirma que, durante o período da grande tribulação, os judeus pregarão o “evangelho do reino”, e que se converterão muitos judeus e gentios. No fim da grande tribulação, Jesus Cristo regressará para o mundo e estabelecerá o reino de exatos 1000 anos, nos quais ele reinará a partir de Jerusalém e serão reiniciados os sacrifícios do Antigo Testamento no templo reedificado. A explicação para a realização dessas metas está na prisão de satanás durante esses 1000 anos.
Mas será derrotado e lançado ao lago de fogo. Os mortos ressuscitarão e comparecerão diante do grande trono branco e serão julgados. Depois virá o estado final da criação de Deus, com o novo céu e a nova terra.

O pré-milenarismo histórico
Essa escola de escatologia coincide com o dispensacionalismo no sentido de interpretar literalmente o milênio de Apocalipse 20. É chamado de “pré-milenarismo histórico” porque remonta aos Pais da Igreja. Mantém sérias diferenças com seus outros postulados efetivamente, o pré-milenarismo histórico questiona a interpretação judaica do reino trazido por Jesus.
Os argumentos brandidos pelo pré-milenarismo histórico para fundamentar sua posição é que não há “arrebatamento secreto”, já que antes do retorno de Cristo se manifestará o império da iniqüidade ou de ilegalidade, em cumprimento à predicação de Paulo em 2 Tessalonicenses 2, em que corrige o que parecia estar indicada em 1 Tessalonicenses 4.13ss e que trouxera conseqüências graves para conduta de alguns crentes de Tessalônica, que, como Cristo já estava às portas, deixaram de trabalhar e de se ocupar das “coisas do mundo”.

Finalmente, para o pré-milenarismo histórico, não há um pretenso “arrebatamento secreto pré-tribulacional” da igreja. O único ponto importante em comum é a crença em um futuro milênio literal de governo de Jesus Cristo na terra.

O pós-milenarismo
O pós-milenarismo é o ponto de vista sobre as últimas coisas, que defende que o reino de Deus agora está sendo difundido no mundo através da predicação do evangelho e da obra salvadora do Espírito Santo nos corações dos indivíduos, que o mundo acabará sendo cristianizado e que o retorno de Cristo ocorrerá no fim de um longo período de justiça e paz comumente denominado milênio.
Alguns conceberam o milênio como algo do passado, enquanto outros creram que pertencia ao futuro, possivelmente exatamente antes da segunda vinda. A forma mais recente de pós-milenarismo se relaciona com uma descrição de corte humanista e evolucionista e é caracterizada por uma visão otimista que entende que o mundo está num processo de melhora.

Parece não ter tido representantes entre os Pais da Igreja. Foram os puritanos da Inglaterra no século XVI que, em aberta crítica às reformas da Igreja Anglicana – que eles julgavam insuficientes e superficiais – lutavam por uma reforma muito mais profunda. Produziu teólogos importantes como John Owen, Richard Baxter e John Bunyan.

Para o pós-milenarismo, o milênio representa uma idade de ouro, um tempo de prosperidade espiritual que se verificará no presente tempo da igreja, em uma espécie de grande avivamento que implicará a conversão em massa de gentios e judeus, em cumprimento da visão paulina que encontramos em Romanos 11.25-27.
É fácil indicar que o pós-milenarismo teve seu momento de esplendor no século XIX, mas entrou em colapso com duas conflagrações mundiais do século XX.

Amilenarismo
O termo “amilenarismo” se aplica à corrente escatológica que postula que o milênio não deve ser entendido como um período literal de governo de Jesus Cristo sobre a terra. O que caracterizava essa escola, portanto, é que a postura hermenêutica em relação ao texto de Apocalipse 20.1-7, que, diferente das outras perspectivas já estudadas, entende que, por se tratar de uma passagem de natureza apocalíptica, não se deve interpretá-la em termos literais, porém simbólicos.
David Bruce afirma que vários Pais da Igreja adotaram esse tipo de interpretação, entre os quais menciona Policarpo de Esmirna, Barnabé, Clemente e o documento chamado Didaquê (o ensino dos apóstolos).

Alguns amilenaristas têm objetado ao termo “amilenarismo” porque, como disse Anthony Hoekema, ele sugere que seus adeptos não crêem em nenhuma forma de milênio, ou que simplesmente ignoram a passagem de Apocalipse 20.1-7. Por essa razão, Hoekema propõe substituir a expressão por “milenarismo realizado”.
Decisivo é a interpretação que o amilenarismo faz da passagem chave, no sentido de considerá-la simbólica do tempo da igreja agora. Cristo conquistou a vitória decisiva sobre o pecado, a morte e Satanás. A partir dali, ele já reina. Precisamente, outra ênfase do amilenarismo está na afirmação da presença do reino de Deus. Falar de reino de Deus é referir-se a um reino já presente a partir da obra de Jesus Cristo, um reino eterno e consumado.

Em apocalipse 20, onde se diz que Satanás será aprisionado, os amilenaristas não entendem isso como algo futuro, mas como algo atual, no sentido de que Satanás não pode impedir que as pessoas ouçam a mensagem do evangelho do reino e, pela fé em Jesus Cristo, experimentem seu poder. Os amilenaristas interpretam os “tronos” como uma referência a tronos celestiais e não terrenos. Eles fundamentam sua exegese apelando para o fato de que a palavra grega thrónos (“tronos”), que aparece 47 vezes no Apocalipse, se refere a tronos nos céus.

“O milênio é agora, e o reinado de Cristo com os crentes durante esse milênio não é um reinado terreno, mas celestial.”
O amilenarismo entende que a segunda vinda de Jesus Cristo será precedida por certos eventos, como a pregação do evangelho a todas as nações, a conversão da plenitude de Israel, a grande apostasia, a grande tribulação e a vinda do Anticristo. Depois, Cristo voltará em um só evento escatológico que podemos chamar indistintamente de parusia, apocalipse ou epifania; os mortos em Cristo ressuscitarão com corpos de glória e os que estiverem vivos nesse momento serão transformados em um piscar de olhos (1 Tes 4.13ss.).

Escatologia ciência-ficção
Uma forma extrema de pré-milenarismo dispensacionalista foi se formando através do tempo, conseguindo, a partir da década de 1970, um grande movimento de vendas, devido ao seu caráter sensacionalista. Uma da obras que mais influiu nesse tipo de escritos escatológicos foi A agonia do grande planeta terra, de Hal Lindsey. O “arrebatamento secreto” da igreja, orientado por uma série de fatos mundiais como a formação do Mercado Comum Europeu e a ascensão da União Soviética que, obviamente, o autor considerava perigosa, Lindsey não tem dúvidas para identificar personagens e movimentos que indicam um fim próximo para o mundo. O autor relacionava a União Soviética com o Anticristo apocalíptico.
“Por mais negro que pareça esse quadro, o futuro nunca foi mais brilhante, pois, à medida que as coisas ficam mais difíceis neste velho mundo, isso significa que a vinda do Messias Jesus está muito mais próxima!”

“O colapso do comunismo e o desaparecimento da União Soviética pôs em evidência a superficialidade desses ‘mapas e esquemas escatológicos’, obrigando seus idealizadores a fazer um sério replanejamento dos mesmos”.
Enfim, trata-se de imagens apocalípticas próprias de ciência-ficção, mas que estão longe de ser resultado de sólidos e sistemáticos trabalhos exegéticos.
Antes de Gorbachov, o meio foi a escatologia chamada “sistemática”. Agora o meio é a ficção.

Em resumo: o milenarismo é uma interpretação cujo fundamento escritural é sumamente débil, já que a única passagem que fala do tema de forma explícita é Apocalipse 20.1-7. Sua origem, não obstante, é anterior a João, já que ele se baseia em alguns escritos apocalípticos intertestamentários, especialmente o livro de Esdras.
Devemos fazer uma distinção cuidadosa entre o pré-milenarismo histórico e o dispensacionalista. Ambos defendem um futuro governo de Jesus Cristo por mil anos sobre a terra. Mas o dispensacionalismo representa uma moderna escola de escatologia, com ares chamativos de novidade. O pós-milenarismo gozou de certa adesão antes do século XX, mas a explosão das guerras mundiais fez com que ele perdesse força.

O amilenarismo se afirma em uma exegese que pretende levar em consideração o caráter apocalíptico do número 1000 em Apocalipse 20. Uma forma extrema de dispensacionalismo foi se formando a partir dos anos 1970 e, apesar de ficar totalmente off side a partir da comoção causada pelo desaparecimento da União Soviética e a queda do muro de Berlim, ela não abjura de seus postulados centrais. Pelo contrário, deixando de lado exposição e doutrina, seus expoentes continuam insistindo nas mesmas afirmações de antes, só que agora o fazem de vertente ficcional.
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Falar do conteúdo do livro de Apocalipse, nem sempre é uma tarefa fácil. No entanto Alberto F. Roldán o faz de forma agradável, uma vez que discorre, neste capítulo sobre as escolas e seus principais expoentes.

Sem dúvidas, podemos presenciar nas igrejas, livros, televisão, cinema etc., várias alusões com o referido tema.

Muitos com o intuito de formar massa crítica para promover algo ou alguém. Outros, literalmente com finalidades financeiras. Talvez o que muitos não queiram é refletir biblicamente e profundamente sobre este tema.

Assim, como argumenta o autor, outros tantos o fazem sem qualquer preparo ou aprofundamento exegético.

De certa forma, estamos bem com os conteúdos que temos sobre as “interpretações” do apocalipse se comparar com os tempos passados da Igreja.

Antes a vida das pessoas, de certa forma, girava em torno da religiosidade centrada nos pensamentos limitados de alguns. Hoje, vivemos num momento diferente. Buscamos significados para tudo o que está escrito nas escrituras, mas o fazemos com mais liberdade. Se estes significados estiverem ocultos, melhor será.

O que impressiona é que o conteúdo do livro de Apocalipse é realmente desafiador. E sua possível interpretação, pode induzir a muitos a erros e deslizes. O erro, todavia, está em analisar um único livro e tentar formar dele uma regra ou um padrão a ser seguido.

Outros textos são tão desafiadores como os de Apocalipse como, por exemplo, o texto do Evangelho de Lucas 17.34-37, “Um será tomado, e deixado o outro”... se compararmos com os versículos anteriores (17.27), fica a pergunta: quem foi tomado? e quem foi deixado?

Assim, o conteúdo do Apocalipse continua a trazer várias interpretações, tantas que nem se quer conseguimos identificar nas comunidades qual linha de pensamento é defendido.

Passo a olhar com mais atenção e mais cuidado para leitura e, possíveis interpretações deste maravilhoso livro.

No entanto creio que, assim como os livros da Bíblia, o Apocalipse é tão atual como são as cartas de Paulo.

O que precisamos é da sabedoria do Espírito Santo para o entendimento que nos faça crescer na fé, para sermos bons servos do Senhor.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Para que somos salvos?

ZABATIERO, J. P. T. (org.) Curso Vida Nova de Teologia Básica. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2006, pp. 101-116.
Por Claudecir Bianco – 28/04/2010

Uma teologia que seja para prática, sintonizada com a espiritualidade, relevante e desafiadora para a missão, não pode deixar de considerar a experiência do Espírito Santo, em toda sua pluralidade, como uma de suas fontes para a reflexão. A teologia deve, simultaneamente, alimentar-se da experiência de fé, servindo de critério para a experiência cristã. À luz da Escritura, temos aprendido que o Espírito Santo une o povo de Deus. Une, mas não uniformiza. Une, mas não pela lei, pela institucionalidade, pelo ministério, pela experiência ou pelo carisma.

O ESPÍRITO SANTO NA VIDA TRINITÁRIA DE DEUS
A compreensão cristã de Deus é teologicamente exigente. Cremos em um só Deus internamente diversificado em três pessoas, noção que não pode ser plenamente entendida nem explicada, mas compõe um dos chamados mistérios da fé cristã, ou seja, doutrinas que só podem ser expressas de forma parcial e analógica (comparativa). Falar de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo é falar de Deus analogicamente, de forma comparativa com as experiências humanas, e não de forma literal. As distinções entre Pai, Filho e Espírito Santo não podem ser entendidas como distinções de grau de divindade, de importância pessoal ou de ascendência hierárquica no tempo ou no espaço.

O ESPÍRITO SANTO: A VIDA DE DEUS NO MUNDO EM QUE VIVEMOS
Como vida de Deus, o Espírito Santo é a vida e a vitalidade da criação. Nada no mundo teria vida sem a presença vivificante do Espírito, sem o fôlego de Deus doado a suas criaturas para que possam viver. Em cosmovisões materialistas, o mundo é visto como material, independente de Deus, não criado nem sustentado por ele. Na concepção bíblica, porém, o mundo é criação divina, e a vida que nele existe é vida doada por Deus, é vida dependente. O Espírito Santo não é Deus agindo de vez em quando no mundo, dando-lhe vida e subsistência. O mundo somente existe porque o Espírito Santo é a energia da vida nele presente. É também mediante o agir do Espírito que a nova criação já está acontecendo, mas ainda não consumada. Como vida de Deus no mundo, a ação do Espírito é invisível e indetectável, a não ser pela fé, que convida ao compromisso de amor à vida por parte de toda criação como uma das manifestações de nosso amor a Deus com toda a mente, coração, alma e forças.

O Espírito Santo e a renovação da humanidade
Assim como o Espírito divino é a fonte de vida da criação, ele é também a fonte de renovação da humanidade no ser humano, como que numa preparação para a salvação em Cristo. Nenhum bem é feito pelo Ser humano de forma independente da ação do Espírito em sua vida. Foi assim que Pedro pôde reconhecer em Cornélio um homem justo e preparado por Deus para a salvação (At 10-11), e reconhecer que as divisões religiosas não podem ser entendidas de forma absoluta. Os impuros também pertencem a Deus, e Deus age em seu meio, renovando-lhes a humanidade e preparando-lhes para a plena salvação. Por mais ambíguas que sejam as ações renovadoras do ser humano na história, nenhuma delas pode ser separada do Espírito de Deus.

O Espírito Santo e a vida redimida da criação
A plena ação renovadora do Espírito, porém, constitui-se na criação do povo de Deus, na transformação das pessoas mediante a fé em Cristo Jesus, que as leva a participar do corpo de Cristo, bem como se constitui na nova criação de todas as coisas. Vinculado a sua ação na vida do Filho encarnado, o Espírito é a pessoa da Trindade que concretiza a obra do Filho na humanidade. Em outras palavras, sem o agir do Espírito, a salvação ofertada por Deus em Cristo Jesus, não pode ser entendida, recebida, nem vivida pelas criaturas de Deus. A eficácia do testemunho do evangelho não reside na estratégia evangelística, na estrutura da igreja ou nos recursos utilizados na pregação, mas sim, está na ação do Espírito Santo, que vivifica a palavra e o testemunho, tornando-os concretos na vida de quem responde afirmativamente ao convite de Deus.

O Espírito Santo: a vida de Deus na igreja em que servimos
O Espírito equipa para uma correta tarefa profética, já não mais reservada a alguns, mas aberta a todos, sem qualquer distinção de raça, língua, classes sociais, sexo ou idade. O novo povo de Deus, como o antigo Israel, foi formado para testemunhar e vivenciar na terra a missio Dei (missão de Deus): levar a cabo a redenção da humanidade e de toda a criação. Como povo missionário de Deus, a igreja é vocacionada para viver como protótipo do reino, como primícias do reino, dando testemunho, por palavras e atos, daquilo que Deus, no Espírito, está fazendo para salvar sua criação. Como povo missionário de Deus, a igreja se reúne ao redor da Palavra para aprender a amar a Deus e a dar testemunho do evangelho do Reino em todo o mundo. O reunir-se da igreja só faz sentido após o espalhar-se missionário do povo de Deus. As ordenanças, ou sacramentos, só fazem sentido nesse movimento dinâmico de sair e voltar – sair para testemunhar, voltar para celebrar e aprender para novamente sair ao mundo dando testemunho do evangelho.

A Igreja: povo carismático de Deus
Na tradição paulina do Novo Testamento, a natureza missionária da igreja é descrita mediante a terminologia da graça – a igreja, corpo de Cristo, é a comunidade carismática do Espírito (caris, em grego, é “graça”. De caris, deriva carisma, efeito da graça, dom, dádiva, “carismática” é a comunidade caracterizada pela graça e seus efeitos). A natureza da igreja deriva da graça de Deus demonstrada em Cristo Jesus. O carisma fundamental da igreja é o presente da salvação e da comunhão com Deus. Desse carisma fundamental derivam todos os demais carismas (efeitos da graça) recebidos e vivenciados pela comunidade de seguidores de Cristo. Como comunidade da graça de Deus, a igreja é missionária e realiza sua missão por meio da diversidade dos dons, dos serviços e das manifestações da plena graça de Deus em sua vida. Como comunidade carismática, a igreja tem um único Senhor: Jesus Cristo. Ele é o cabeça do corpo, da igreja. Não somente o cabeça, entendido como líder, mas a cabeça – fonte de vitalidade, energia, direção, unidade e ação para todo o corpo. Sob o senhorio de Cristo, a multiplicidade dos carismas pode ser vivenciada sem romper a unidade do povo de Deus. Como comunidade carismática das pessoas batizadas no Espírito, o exercício dos carismas não pode ser dissociado da prática do amor e da santidade. Sem os carismas, não há edificação da igreja, sem edificação da igreja, não há crescimento no fruto do Espírito e na santidade. Sem a frutificação do Espírito, os carismas não servem para a edificação; não edificando o corpo, os carismas não são manifestações do amor gracioso de Deus, e a igreja não cresce adequadamente em quantidade e qualidade. Como comunidade carismática, a igreja não perde sua vinculação com a humanidade. Em outras palavras, os dons, os serviços e as manifestações da Trindade não podem ser entendidos de forma dissociada dos talentos e das capacidades que, no ato criador, Deus outorga a cada uma de suas criaturas. Conseqüentemente, tudo o que a igreja faz – oração, adoração, educação, organização, evangelização, comunhão e serviço – é expressão da graça de Deus e deve ser realizado na força e sob direção do Espírito Santo, e isso significa que será realizado mediante a cooperação de cada membro, cujo carisma está a serviço da edificação de todo o corpo. É a energia do Espírito, é a santidade do Espírito, é o amor do Espírito que se concretizam o senhorio de Cristo e a soberania do Pai entre o povo de Deus. Mediante o exercício da diversidade dos carismas, na unidade da fé e na mutualidade do amor, a igreja se realiza como comunidade carismática que dá testemunho da missão salvífica do Deus trino e uno.

Reformando a institucionalidade da Igreja
Se a Reforma protestante apresentou principalmente a correção de rumos teológicos da igreja, os avivamentos representaram as correções de rumos comportamentais da igreja e os movimentos de renovação pentecostal e carismática representaram as correções de rumos na dinamicidade da experiência da igreja, ainda necessitamos concretizar a reforma da institucionalidade da igreja – apenas iniciada com a Reforma protestante e seu conceito de sacerdócio universal dos santos, mas jamais concretizada nas denominações protestantes em sua plenitude. A linguagem do poder tem sido então, a linguagem predominante quando se trata de ministérios, e mesmo nas tradições pentecostal e carismática a linguagem do poder é mantida, conquanto se fale mais no poder do Espírito do que no poder eclesiástico. A dádiva do Espírito à igreja é a dádiva da energia, da força para realizar a vontade de Deus, e não a dádiva de um poder político, ordenador, institucionalizante. “Ministrar” significa “servir”, e não “comandar”. Ministro é a pessoa que serve não a pessoa que domina. Ministério é o serviço prestado, e não o cargo superior alcançado. Entretanto, como ainda vivemos no tempo escatológico e o pecado não se eliminou completamente, é necessário um mínimo de subordinação a fim de ajudar a evitar que pessoas se apossem do poder na igreja e o exerçam de forma tirânica, bem como a fim de evitar a falta de harmonia na comunidade missionária. Mais importante do que a forma do governo eclesiástico, porém, é a maneira como o poder é exercido nessa forma de governo. Assim, em quaisquer das formas tradicionais de governo da igreja, se deverão buscar meios, leis e mecanismos que favoreçam o carisma e restrinjam a sede da instituição em abocanhar tudo que vê pela frente. Em segundo lugar, essa compreensão exige que se repense o conceito de ordenação e sua vinculação com as estruturas de poder denominacional. Essa, sim, é uma mudança complexa e urgente a ser pensada e realizada pelas igrejas; senão, o sacerdócio universal continuará sendo uma bela expressão doutrinária, mas sem nenhuma realidade concreta na vida da igreja.

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Esse texto de Julio Zabatiero é muito rico em seu conteúdo. Em minha opinião tudo o que ele escreveu é necessário para a vida na Igreja. Se a maioria dos Cristãos entendesse por que somos salvos, acredito que muitas coisas poderiam ser diferentes na humanidade de forma geral.

Para alguns, como argumenta o autor, querem o poder, e por isso, apresentam posturas distintas em sua administração eclesiásticas. Os que não têm o poder permanecem em determinados grupos até alcançar seus objetivos.

Todavia não podemos negar que o Espírito Santo está agindo mesmo nestas situações. Mas, tudo poderia ser diferente. Menos sofrimento para alguns fiéis e até mesmo para alguns líderes.

O autor é assertivo quando fala sobre o carisma da Igreja, entre outros pontos, mas creio que neste ponto em especial, está as possibilidades para as mudanças. Se não vivermos o “presente” da salvação, enfrentaremos cansaço e stress, no lugar de “servir ao Senhor com alegria”.

Acredito que, de forma geral, estamos equivocados com o que é realmente ser Igreja de Cristo, nos tempo de hoje. Deus está dando um tempo “considerável” para descobrirmos o que isso significa, no entanto, grande maioria dos crentes ainda não compreendeu.

Também concordo quando o autor fala sobre Reforma, mas muitas mudanças deveriam acontecer além das questões do sacerdócio universal. O próprio retorno para a Palavra de Deus. Quantas Igrejas estão suprimindo o estudo aprofundado sobre as escrituras, vivendo da superficialidade contemporânea.

Precisamos como crentes em Cristo, e não, crentes nas instituições, “reconstruir nosso altar espiritual”, buscando a cada momento, pela ação o Espírito Santo que age em nós, entender nosso papel na sociedade e nosso papel no Corpo de Cristo. Como Igreja, precisamos viver um Evangelho mais simples... Aliás, entendemos que o Evangelho é simples, mas a cada dia, complicamos um pouco mais.

O Apóstolo Paulo diz na carta de Romanos, cap. 12, vs, 1 e 2: “não vos conformeis... mas transformai-vos...”
Há ações humanas e há ações de Deus.
As humanas estão cada vez mais colocando Deus para fora da Igreja...
Mas, graças ao Bom Deus, Ele está agindo mesmo com todas as nossas dificuldades.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: O Evangelho do Reino de Deus para os Pobres

O Evangelho do Reino de Deus para os Pobres
MOLTMANN, J. O caminho de Jesus Cristo. Petrópolis: Vozes, 1992, pp. 137-164.
Por Claudecir Bianco – 27/04/2010

Os evangelhos apresentam a história de Jesus à luz de sua missão messiânica inaugurada por seu Batismo. Sua missão abrange sua proclamação e seu agir, seu agir e seu sofrimento, sua vida e sua morte.

No Antigo Testamento, anunciar o evangelho significa anunciar uma mensagem alegre, a vitória, a salvação. Quem anuncia felicidade é portador de felicidade e é honrado como tal.

O profeta Dêutero-Isaías deu conteúdo messiânico ao termo evaggelizein: o profeta anuncia ao povo no cativeiro babilônico um êxodo novo, escatológico da escravidão para a permanente terra da liberdade, pois com sua obra de salvação o próprio Javé assumirá o trono e estabelecerá seu reino sem fim.

O Evangelho é o prenúncio da salvação. O Evangelho é início da epifania do Deus vindouro em forma de palavra. O Evangelho não é uma descrição utópica de um futuro distante, mas a irrupção desse futuro na palavra que promete e liberta.

Seu público são os pobres, miseráveis, doentes e desesperançados como aqueles que mais sofrem sob o afastamento de Deus e a inimizade dos homens.

O Evangelho do reino de Deus é o Evangelho da libertação do povo: quem anuncia o futuro de Deus, esse traz a liberdade ao povo.

Reino de Deus e nova criação
Quem ressalta o senhorio de Deus tem em mente o presente e atual domínio de Deus. O atual domínio de Deus pode ser experimentado hoje na libertação dos presos e na cura dos doentes, na expulsão dos demônios e no erguimento dos humilhados.

Deus governa na História por meio do Espírito, Palavra, liberdade e obediência. Seu domínio encontra resistência, contradições e adversários. É um domínio controvertido e oculto na controvérsia. Por isso ela está programada, de si própria, para a perfeição no futuro no qual Deus governa irrestritamente e quando será tudo em tudo em sua glória.

O agir libertador de Deus deve, por isso, ser entendido como a imanência do reino escatológico de Deus, e o reino vindouro deve ser entendido como a transcendência do atual domínio de Deus. O domínio de Deus é o presente de seu reino, e o reino de Deus é o futuro de seu domínio.

Por fim, com a ressurreição de Cristo começa a nova criação, pars pro toto, no Crucificado.

A dignidade dos pobres
Por um lado, a justiça de Deus é descrita como direito da comiseração com os mais miseráveis, por outro, o futuro do reino de Deus irrompe entre aqueles que mais sofrem sob violência e injustiça dos homens, os pobres.

O Evangelho é realista e não idealista. Por isso está em primeiro plano para Jesus a preocupação com pobreza, doença, possessão demoníaca, abandono, e não a preocupação com as doutrinas dos fariseus e saduceus.

Os “pobres” são as “não pessoas”, os “sub-homens”, os desumanizados, “material humano”.

O “rico” tem o poder (Lc 14-54). Pode barganhar o trigo e fazer subir os preços, e assim tornar os pobres ainda mais pobres.

O Evangelho não apenas leva o reino de Deus aos pobres, mas também descobre o reino dos pobres, que é o reino de Deus.

Portanto, quem anuncia o Evangelho aos pobres faz parte dos pobres e ele próprio se torna pobre na comunhão deles.

Sua confiança está inteiramente voltada para Deus, por isso não se preocupam com nada.

O Evangelho não lhes traz nem feijão nem arroz, mas sem dúvida, a certeza de sua dignidade indestrutível aos olhos de Deus.

A interiorização do sistema de valores dos dominantes pelos pobres é um sério empecilho para sua autolibertação. Ela torna a pobreza autodestruidora e produz ódio próprio nos pobres.

Deus, porém, lhes abriu um futuro e os fez herdeiros de seu reino vindouro. Se essa esperança se espalhar, então esse futuro se torna a autoridade de sua libertação e a fonte de sua graça.

Os pobres se tornam filhos de Deus neste mundo violento e injusto. O reino de Deus se torna o “reino messiânico dos pobres”.
Somente na comunhão dos pobres abre-se o reino de Deus para os outros.

Libertação por conversão
Jesus anuncia o reino de Deus aos pobres incondicionalmente e os declara bem-aventurados, porque ele já lhes pertence. Aos ricos, porém, o Evangelho do reino se depara como chamado à conversão (Mc 1.15 par).

Conversão realiza essas novas possibilidades abertas por Deus. Começa-se a vida verdadeira já agora que virá para toda criação com o reino de Deus.

Conversão influencia as pessoas e as circunstâncias nas quais as pessoas vivem e sofrem, portanto, o modo de vida pessoal e comunitário da mesma forma como os próprios sistemas de vida nos quais os modos de vida estão ordenados.

Conversão acontece como o discipulado de Cristo, integralmente, “de todo coração, de toda alma e com todas as forças”, como o amor de Deus (Dt 6.5), ou então ela não ocorre.

Cura dos enfermos – expulsão dos demônios
O domínio de Deus expulsa da criação os poderes da destruição, os demônios e ídolos, e sara as criaturas por eles machucadas. Se vem o reino de Deus como Jesus anuncia, então também vem a salvação. Se vem a salvação de toda a criação, então também vem a saúde das criaturas em corpo e alma, no indivíduo e na comunhão, nos homens e na natureza.

Cura e exorcismo
Não se deve entender cura e exorcismo como fenômenos exorbitantes isolados, mas relacionados à missão messiânica de Jesus.
Onde quer que Jesus expulse espíritos de pessoas possessas, essas “saram”, recobram a “razão” e tornam-se livres para a autodeterminação (Mc 5.15).

O Messias redimirá a ambos: expulsará os poderes da destruição de pessoas, para que pessoas recobrem a liberdade, a saúde e a razão. Ele redimirá esses mesmos poderes do serviço da destruição e os recolocará a serviço do Criador (Ef 1.20-23; Cl 1.20).

“A salvação” é então o resumo de todas as curas. Se ela está contida no domínio de Deus, então ela é tão abrangente como o próprio Deus e não pode ser reduzida a áreas parciais da criação.

“Salvação é uma grandeza que inclui integridade e bem estar dos homens, salvação para o totus homo, não simples salvação da alma para o indivíduo”.

Cura de doenças e perdão dos pecados são necessários e não podem ser reduzidos uma ou outro. Não obstante, existe uma diferença que não se pode esquecer, apesar de toda a ênfase da totalidade da salvação que tem sua origem no poder de Deus: a cura supera a enfermidade e cria saúde. No entanto, ela não vence o poder da morte. A salvação em sua consumação, porém, é a destruição do poder da morte e o ressuscitamento do homem para a vida eterna.

Assim como a cura supera a doença, assim a salvação supera a morte. Sendo qualquer doença um prenúncio da morte de ameaça à vida, toda cura é um prenúncio vivo da ressurreição.

Nesse sentido a salvação tem dois aspectos, um aspecto pessoal e outro cósmico. Paulo denomina o aspecto pessoal de “a ressurreição dos mortos”, e o aspecto cósmico denomina de “a destruição da morte”.

Os demônios apenas receberam outros nomes. Não é preciso crer num mundo dos espíritos próprio, independente para reconhecer a destruição de vidas humanas pelos poderes da destruição.

O verdadeiro problema teológico das histórias de curas de Jesus é levantado por sua paixão e por sua impotente morte na cruz: “A outros salvou, que salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito” (Lc 23.35). Justamente isso, porém, Jesus não pode, é claro. O “poder” curador que dele emana, e a “autoridade” que ele tem sobre os demônios, não lhe foram conferidos para uso próprio, mas apenas em benefício de outros.

Conseqüentemente, Jesus não cura somente através de seu “poder” e de sua “autoridade”, mas também por meio de seu sofrimento e sua impotência.

Quando doentes são demonizados, como por exemplo, aidéticos, então são excluídos da sociedade e condenados à morte social. Hoje, o primeiro passo para a cura dos doentes seria justamente a desdemonização de enfermidades, na medida em que suas relações sociais são preservadas e sua dignidade humana é reconhecida de forma permanente.

Fé que cura
Onde há fé, o poder que emana de Jesus opera milagres. Onde falta a fé, como em sua cidade natal Nazaré, nada pode fazer.

Sob “fé” não se deve entender apenas uma confiança cordial, mas também uma busca e vontade das respectivas pessoas.

O divino poder de cura não parte unilateralmente dele. Ele também não é, simplesmente, “sua ação”, como e quando quiser. Onde Jesus e fé se encontram nessa reciprocidade, as coisas podem acontecer.

Aceitação dos marginalizados - erguimento dos humilhados
Por meio da aceitação dos “pecadores” e “publicanos” e das prostitutas Jesus não justifica o pecado, a corrupção ou a prostituição, mas rompe o circulo vicioso de sua discriminação no sistema de valores dos justos. Com isso também liberta potencialmente os “justos” da coerção da justiça própria, e os “bons” da posse do bem.

Na história de Zaqueu (Lc 19.1-10) Jesus entra na casa “de um pecador”, para escândalo das pessoas de bem, e declara que, com isso, “hoje houve salvação nesta casa”.

Chama a atenção o fato de Jesus perdoar os pecados incondicionalmente – sem confissões de pecados e sem obras expiatórias substitutivas.

O reino de Deus, porém, que Jesus anuncia e demonstra com sua vivência com pobres, doentes, pecadores e publicanos, não apenas traz o domínio de Deus sobre sua criação, mas também a grande ceia de alegria dos povos: “Javé dos Exércitos prepara para todos os povos, sobre esta montanha, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carne suculenta, de vinhos depurados.

Remissão dos pecados e comer e beber no reino de Deus são dois lados da mesma coisa; como também o mostra o retorno do “filho perdido” (Lc 15.22).

O partir do pão e o beber do vinho representam o reino de Deus na forma do corpo entregue “por nós” e do sangue de Cristo derramado “por nós”.

Aquele que traz a dignidade do reino de Deus aos pobres e que revela aos pecadores e publicanos a justiça justificadora de Deus é também o “hospedeiro” messiânico que convida os famintos para comerem e beberem no reino de Deus e que lhes demonstra a comunhão de mesa de Deus.

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Particularmente esse tema me atrai muito. Desde muito cedo em minha caminhada com Cristo, percebi que seguir a Cristo é muito mais do que tudo o que eu já tinha escutado sobre ele.

Pude perceber que Deus nos chama, nos restaura e nos comissiona para anunciarmos esta mensagem de libertação aos pobres. Apesar de ser algo concreto para mim, posso observar que não são todos os crentes que chegaram neste entendimento.

Muitos buscam apenas coisas para si mesmos.
O texto é realmente fascinante. À medida que se avança na leitura, pode-se observar o distanciamento que estamos das palavras em nossas Igrejas.

Não me recordo qual foi a última vez que ouvi alguma mensagem com este conteúdo. No entanto, quando prego sobre isso, parece que estou falando para o vento, parece que são coisas que a maioria das pessoas não quer ouvir.

Acredito que há certos equívocos relacionados com o que é realmente ser Cristão. Quando lemos em João 10.10b. a afirmação de Jesus “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”, muitas pessoas imaginam que receberam a salvação apenas para desfrutar de “benefícios” dados por Deus. Pensam que têm um “deus dentro uma garrafa”, que está ali, pronto para satisfazer seus desejos, suas ambições. Sabem, todavia, que Cristão nos dá vida em abundância, para o presente, mas não é somente no sentido material.

Ele nos dá vida, para que anunciemos vida. Ele nas dá a Salvação, para que anunciemos a Salvação.

Todos os pontos abordados por Moltmann fazem sentido para a Igreja no dias de hoje, e na verdade, nunca deveriam cair no esquecimento.

Quando a Igreja anuncia o Evangelho de transformação, o Senhor da Igreja é glorificado e seu Reino é estabelecido.
Quando anunciamos o Cristo ressuscitado, anunciamos a restauração de vidas.

Se deixarmos de lado essa tarefa seremos negligentes com a Missão que nos foi confiada.

Será que já não estamos sendo?

Que o Senhor nos ajude e nos oriente para que sejamos fiéis a Ele e portadores das Boas Novas, como diz Moltmann: “Quem anuncia felicidade é portador de felicidade e é honrado como tal.”

Reflexão teológica sobre o texto: As doutrinas da natureza humana, do pecado e da graça.

MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, pp. 503-517.
Por Claudecir Bianco – 27/04/2010

No texto de Teologia Sistemática, histórica e filosófica, precisamente no capítulo 14que trata sobre As doutrinas da natureza humana, do pecado e da graça, o autor Alister Mcgrath, procura responder aos leitores a seguinte questão: O que os seres humanos devem fazer para compartilhar da salvação que se manifestou e se tornou possível por intermédio da morte de Cristo na cruz? Afirma haver, na tradição cristã, uma ligação muito próxima entre a doutrina da salvação e a doutrina da graça. Sua proposta então, neste capítulo, a partir do questionamento principal, é de analisar cada uma destas doutrinas mais detalhadamente.

Apesar de o autor ter aprofundado seus comentários pertinentes a este assunto, este material se limitou refletir apenas os conteúdos das páginas 503 à 517.

Neste conteúdo, Alister dividiu sua exposição em três subtítulos que são: O lugar da humanidade na criação; A controvérsia pelagiana e Os conceitos da graça e do mérito.

No primeiro subtítulo, afirma que a tradição cristã enfatiza que humanidade é o apogeu da criação de Deus. Em Gênesis 1.27, apresenta o ser humano como alguém criado à imagem e semelhança de Deus, uma expressão latina imago Dei. Mas, pergunta ainda: qual é o significado dessa locução? Segundo o autor, no período patrístico, havia uma distinção entre duas expressões: “à imagem de Deus” e “à semelhança de Deus”.

Para Tertuliano, a humanidade continuou refletindo a imagem de Deus, mesmo após a Queda, mas poderia ser, novamente, semelhante a Deus por meio da ação restauradora do Espírito Santo.

Orígenes adotou um pensamento similar, dizendo que “à imagem de Deus” refere-se à humanidade após a Queda, enquanto o termo “à semelhança de Deus” refere-se à natureza humana após seu aperfeiçoamento na consumação final.

Uma terceira posição, neste período, era a que interpretava “à imagem de Deus” como algo relacionado à razão humana, como capacidade racional que refletiria a sabedoria de Deus.

Agostinho defendia essa posição por entender que o elemento central da natureza humana é sua capacidade, concedida por Deus, para relacionar-se com ele. Embora esta natureza humana tenha sido corrompida pela queda, ela pode se transformada pela graça. O fato da humanidade ter sido criada à imagem e semelhança de Deus é um fator responsável pela virtude e dignidade originais da natureza humana.

Para Lactantius havia um enfoque político. Essa mesmo doutrina, da criação à imagem de Deus, também foi vista como algo diretamente relacionado à doutrina da redenção.
Atanásio enfatiza que Adão e Eva poderiam desfrutar de um perfeito relacionamento com Deus, desde que não fossem atraídos pelo mundo material.

Cirilo de Jerusalém enfatiza que não havia necessidade alguma de Adão e Eva terem perdido esse estado de graça, no entanto, a imagem de Deus na natureza humana foi desfigurada e que assim, toda a humanidade compartilha desse problema relacionado à descaracterização da imagem de Deus.

Segundo Alister deveríamos, observar que os escritores gregos do período Patrístico não expressaram esse aspecto por meio da doutrina do pecado original, como faria Agostinho mais tarde. Alguns escritores gregos entendiam o fato de que o pecado se originou do abuso do livre arbítrio.

Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa pregaram que as crianças nasciam sem pecado, uma idéia que se opõe à doutrina do pecado universal de uma humanidade caída.

Crisóstomo, referindo-se à declaração de Paulo, de que muitos foram feitos pecadores por intermédio da desobediência de Adão (Romanos 5.19), interpreta que essa passagem significa que todos se tornaram sujeitos à punição e à morte.

O autor passa a descrever sobre o segundo ponto que é A controvérsia pelagiana. Essa controvérsia concentrou-se em torno de dois indivíduos: Agostinho de Hipona e Pelágio. Para Agostinho, negar a soberania de Deus quanto a liberdade humana representaria comprometer seriamente a compreensão cristã sobre o modo como Deus justifica o homem.

No entanto, no tempo de Agostinho havia muitas heresias que reduziam o evangelho. Uma delas era o maniqueísmo, que defendia a total soberania de Deus, mas negava a liberdade humana; a segunda heresia, o pelagianismo, defendia o total livre arbítrio do ser humano, ao mesmo tempo em que negava a soberania de Deus. O termo “livre arbítrio” não é bíblico, mas originário do estoicismo, destaca o autor. Agostinho conservou o termo, mas procurou dar a ele um significado mais próximo ao entendimento de Paulo, ao ressaltar as limitações impostas pelo pecado ao livre arbítrio. Ele afirma a existência da inerente liberdade humana, declara que o livre arbítrio foi debilitado e enfraquecido - mas não totalmente eliminado ou destruído - pelo pecado. Para que o livre arbítrio seja restaurado e recuperado, é necessária a atuação da graça de Deus. O livre arbítrio realmente existe; entretanto, ele se encontra debilitado pelo pecado. Agostinho utilizava a seguinte analogia para explicar essa questão. Pense em uma balança com dois pratos. Um dos pratos é utilizado para pesar o bem, e o outro prato, o mal. O livre arbítrio inclinou-se para o lado do mal. Agostinho, argumenta que os pecadores, na verdade, possuem o livre arbítrio, mas que este livre arbítrio se encontra corrompido pelo pecado.

Para Pelágio, (assim como para Juliano de Eclanum) a humanidade possuía total liberdade de escolha e era totalmente responsável por seus pecados. A natureza humana era essencialmente livre e bem constituída, e não corrompida e debilitada por certas inclinações escusas. De acordo com Pelágio, qualquer imperfeição que fosse atribuída ao homem refletiria negativamente sobre a bondade de Deus. Voltando à analogia da balança, os pelagianos argumentavam que o livre arbítrio era como o par de pratos da balança em estado de perfeito equilíbrio, que não estavam sujeitos a qualquer tipo de inclinação. Pelágio declara de forma inflexível que “uma vez que a perfeição é possível para a humanidade, ela é obrigatória”.

Sobre a natureza do pecado, Agostinho compreendeu o fato de que a humanidade nasceu com uma disposição para o pecado, com uma inclinação natural para o pecado, a qual faz parte de sua natureza. Em outras palavras, o pecado é a causa do pecado: a condição pecadora do ser humano é a causa dos pecados de cada um de nós. Agostinho desenvolveu essa idéia por meio de três importantes analogias: o pecado original como “doença”, como “força” e como “culpa”.

Para Pelágio, a idéia da predisposição humana para o pecado não tem lugar em seu pensamento. Para ele, a capacidade humana de alcançar a perfeição não poderia ser vista como algo que fora comprometido pelo pecado. Para o pensamento pelagiano a humanidade nasce pura, sem pecado, e somente peca por meio de atitudes deliberadas.

Sobre a natureza da graça, o autor diz que, de acordo com o ponto de vista de Agostinho, somos realmente dependentes de Deus para nossa salvação, desde o começo até o fim de nossas vidas. Deus não nos abandona no lugar em que naturalmente nos encontramos, incapacitados pelo pecado e incapazes de nos salvar, mas concede-nos a graça para que possamos ser curados, perdoados e restaurados. A graça, de acordo com Agostinho, é um favor generoso e totalmente imerecido que Deus concede à humanidade, por meio do qual esse processo de restauração pode ser iniciado.

Pelágio, no entanto, usou o termo “graça”, mas interpretou-o de uma maneira bastante diferente. Primeiro, a graça deve ser entendida como uma das faculdades inerentes do ser humano. Para ele, essas faculdades não estão corrompidas, incapacitadas ou comprometidas de modo algum. Pelágio entendeu a graça como uma luz divina concedida à humanidade. Somos capacitados a evitar o pecado por meio dos ensinamentos e do exemplo de Jesus Cristo. Deus não exige apenas que os seres humanos sejam perfeitos; ele fornece certas orientações específicas sobre o tipo de perfeição exigida – como, por exemplo, obedecer aos Dez Mandamentos e tornar-se semelhante a Cristo.

Agostinho argumenta que isso era o mesmo que “restringir a graça de Deus à lei e ao ensino”. O Novo Testamento, de acordo com ele, via a graça como uma ajuda divina ao homem, e não como uma orientação moral apenas.

Para Pelágio, a graça era algo externo e passivo que se encontrava fora de nós. Agostinho entendia a graça como a verdadeira e redentora presença divina em Cristo que atua dentro de nós, transformando-nos: ele a entendia, portanto, como algo interno e ativo.

Para Pelágio, a humanidade precisava apenas ser orientada sobre aquilo que deveria fazer, podendo-se, portanto, deixar que alcançasse sua restauração por sua própria conta e risco; para Agostinho, a humanidade precisava ser orientada sobre o que fazer e, depois, gentilmente auxiliada em cada fase, se houvesse a menor intenção de que ela ao menos se aproximasse, quem dirá alcançasse, sua restauração.

Sobre o fundamento da salvação; Alister diz que, para Agostinho, a humanidade é justificada por um ato de graça; mesmo suas boas ações são resultado da ação de Deus no interior da natureza pecadora do homem e que o fundamento de nossa justificação é a promessa divina de graça feita a nós.

Para Pelágio, entretanto, a justificação do homem fundamenta-se em seus méritos: suas boas ações são resultados do exercício de um livre arbítrio, totalmente autônomo, no cumprimento dos deveres estabelecidos por Deus. A falha em cumprir com esses deveres abre as portas da ameaça de punição eterna para o ser humano pecador.

No Sínodo de Arles, foram condenadas, por um lado, uma série de proposições que eram de natureza claramente pelagiana, ao passo que, por outro lado, validava outras, de natureza mais agostiniana.

Sobre os conceitos da graça e do mérito, Alister no diz que, o termo “graça” (gratia) apresenta uma ligação com a idéia de “presente”. Essa idéia teve início com Agostinho, que destacou a noção de que a salvação é um presente de Deus, e não uma recompensa. Uma tensão entre as idéias de “graça” e “mérito”, pelo fato de a primeira ter relação com a idéia de um presente e a última, com a idéia de uma recompensa. A questão, na verdade, é bem mais complexa do que isso e merece ser objeto de uma discussão minuciosa, segundo o autor.

Aliste, passa a discorrer sobre a graça. A graça é entendida como uma força libertadora, que livra a natureza humana da escravidão do pecado a que está sujeita. Agostinho usa o termo o “livre arbítrio cativo” para descrever o livre arbítrio que é tão fortemente influenciado pelo pecado, assim como argumentou que a graça é capaz de libertar o desejo humano de suas inclinações e de conceder ao homem o “livre arbítrio liberto”. Agostinho conseguiu defender a perspectiva de que a graça, longe de eliminar ou comprometer o livre arbítrio do ser humano, é, na verdade, aquilo que torna possível sua existência. Essa graça é entendida como o fator responsável pela restauração da natureza humana. Uma das analogias favoritas de Agostinho para a igreja é a de um hospital repleto de pessoas doentes, que reconhecem o fato de estar doentes e procuram a ajuda de um médico, para que possam se curar. Assim, ele alega, com base em ilustrações como esta, que o livre arbítrio humano não é saudável e precisa ser curado.

Ao explorar as funções da graça, Agostinho elaborou três noções essenciais, que têm tido um grande impacto sobre a teologia ocidental.
1- A graça preveniente – está defendendo sua posição característica de que a graça de Deus está atuando na vida do ser humano antes mesmo da conversão. A graça preveniente de Deus está viva.
2- A graça operativa – Deus opera a conversão dos pecadores sem que haja a menor participação deles. A conversão é um processo puramente divino, no qual Deus age sobre o pecador.
3- Graça cooperativa – Tendo alcançado a conversão do pecador, Deus agora colabora com a renovada disposição do ser humano, no sentido de conseguir se transformar a crescer em santidade. Tendo libertado a vontade humana do jugo do pecado, Deus agora pode cooperar com essa vontade liberta.

Os teólogos do início da Idade Média consideravam o termo “graça” como uma forma abreviada dos termos benevolência ou liberalidade de Deus. Tomás de Aquino traça uma distinção fundamental entre dois tipos diferentes de graça:
1- A graça verdadeira, que é dada gratuitamente, uma série de ações ou influências de Deus sobre a natureza humana.
2- A graça habitual, feita por contentamento, um hábito criado no interior da alma humana. Em outras palavras, “ter a graça de Deus” é gozar do favor de Deus. A idéia de “graça habitual” tornou-se objeto de intensa crítica, no final da Idade Média.

Guilherme de Occam, armado de sua famosa “navalha”, começou a eliminar as hipóteses desnecessárias de cada área da teologia. Seu argumento era tão convincente que, ao final do século XV, a noção da graça habitual se encontrava bastante desacreditada. Pouco a pouco, a graça passou a ser entendida como “o favor gracioso de Deus” - isso é, como uma atitude divina, e não uma substância.

Finalmente, sobre mérito, Alisten afirma que a controvérsia pelagiana chamou a atenção para a hipótese da salvação ser uma recompensa por bom comportamento ou um dom gratuito de Deus. Assim houve a necessidade de maior esclarecimento do termo “mérito”.

Segundo o autor, no período medieval, até a época de Tomás de Aquino, havia-se chagado a um consenso sobre os seguintes pontos:
1- Não existe, modo algum pelo qual os seres humanos possam reinvidicar salvação como uma “recompensa”, fundamentando-se estritamente na justiça. A salvação é um ato da graça de Deus. A visão de que os seres humanos pudessem ser capazes de obter a salvação por meio de mérito próprio foi rejeitada, sendo encarada como pelagianismo.
2- Os pecadores não podem conquistar a salvação, pois não há nada que eles possam alcançar ou fazer que obrigue Deus a recompensá-los com a fé ou a justificação. A graça de Deus opera nos pecadores para que se convertam e essa mesma graça coopera com eles para trazer-lhes crescimento em santidade. E é essa cooperação que leva ao mérito.
3- Há diferenças entre os dois tipos de méritos: o coerente e o devido. O coerente baseia-se na liberdade de Deus ao ponto que o mérito devido é aquele que se justifica com base nas atitudes morais de um determinado indivíduo.

Nesse contexto de consenso geral acerca da natureza do mérito, surgiu, no final da Idade Média, um debate sobre a causa fundamental do mérito, podendo-se perceber a presença de duas correntes contrárias. O debate ilustra o crescimento da influencia do voluntarismo, ao final da Idade Média. A corrente mais antiga, que podemos descrever como intelectualista, segundo o autor, é representado por Tomás de Aquino. Ele defendeu a existência de uma relação diretamente proporcional entre o valor moral e o valor meritório de uma ação praticada por um cristão. O intelecto divino reconhece o valor intrínseco a uma ação e a recompensa conforme esse valor. Finaliza Alister.

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O autor é bem objetivo em suas argumentações o que faz com que seu texto não seja cansativo. Aborda, sem dúvidas, pontos que são confusos para muitos cristãos.

Apesar de alguns destes pontos serem comumente aceitos por alguns, não são discutidos com profundidade nas Igrejas.

Se partirmos para uma conversa um pouco mais aprofundada sobre eles, possivelmente encontraremos muitas dúvidas e, o que é pior, em minha opinião, obteremos respostas contrárias às conclusões sobre a graça, salvação, pecado etc.

Grande parte dos cristãos não buscam conhecer melhor suas crenças e suas origens, por entenderem que é suficiente o cumprimento de seu papel com a Igreja e freqüência nos cultos.

Vivem, portanto de fragmentos da Palavra de Deus, muitas vezes, vindos de púlpitos vazios. Há que se pensar em mudar esta situação.

Pontos como os destacados pelo autor são fundamentais na concepção do cristianismo, deveriam ser constantemente abordados nas igrejas, mas alguns podem pensar que afastaria os que pensassem diferente.

Isso já seria um sinal que estamos vivendo um cristianismo superficial. Estamos vivendo como os Judeus no tempo de Jesus, quando este os repreende dizendo: “Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus.” Mateus 22.29.

Por tempos estamos deixando de dedicar tempo para conhecer as Escrituras. Nós, como povo de Deus precisamos ser como os de Beréia, descrito em Atos 17.11. “Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.”

Não há cristianismo sem as verdades de Cristo serem aplicadas na prática.
Não há salvação se não for pela Graça, não há cristianismo se não houver a Palavra do Pai e não há como usufruir dessa graça se não houver fé.

Apesar de muitos buscarem os caminhos mais largos, observa-se que o que estão encontrando são mentiras e frustrações.

Precisamos, urgentemente, rever nossos conceitos e buscar compreender mais sobre o plano maravilho de Deus para a humanidade, assim como fez Alister.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Deus como Criador e o Mundo como Criação.

BERKHOF, Hendrikus. “Deus como criador e o mundo como criação” In: MCKIN, D. K. (ed.). Grandes temas da tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1998, pp. 63-70.
Por Claudecir Bianco

No texto “Deus como Criador e o Mundo como Criação”, Hendrikus Berkhof traz conceitos interessantes para alguns e blasfemos para outros. Para descrever sobre este assunto, o autor divide o título principal em dois subtítulos. O primeiro trata de “Deus como criador” e, o segundo “o mundo como criação”.

Na primeira parte, começa sua narrativa com a afirmação que a maioria dos cristãos ouvem desde muito cedo em sua caminhada, que “o Deus que encontramos na revelação de Israel e em Cristo é o criador do mundo”. Descreve que, Deus com amor santo em seus atos de criação e promessa ao homem não combina com a realidade do mundo. Seria uma contradição para alguns, afirmar tal sentença. Afirma que na revelação de Deus, está presente a promessa da salvação e da libertação. E esta libertação não estaria fora da existência e nem seria uma fuga do mundo, mas sua redenção de forma geral. Segundo o autor, falar da salvação significa dizer purificação do mundo e a elevação deste, a um nível superior. Afirma categoricamente que essas identificações provocam tensões para a fé de alguns e problemas para o intelecto de outros, mas ainda assim, a crença no criador, segundo ele, está distante de ser algo evidente à sua criatura. Relata que na fé cristã é encontrado pontos conflitantes com o dia a dia das pessoas, como por exemplo, na confissão do credo apostólico: “Creio em Deus Pai, criador do céu e da terra.” Diz que a vontade de Deus não é algo arbitrário e sim uma expressão do ser de Deus como amor santo e por ser vontade de Deus, ela é, ao mesmo tempo, irredutível. Afirma que o mundo criado é um mundo imperfeito, uma realidade que acontece no tempo e, este mundo procede de um Deus perfeito e eterno, assim, ele pergunta: Como podemos atribuir a Deus aquilo que é temporal e imperfeito? No entanto as respostas poderiam ser somente em pensamentos de categorias de tempo e espaço e que assim, seria insuficiente para a compreensão de Deus. Afirma haver uma iniciativa divina que leva ao encontro, do criador com os seres humanos, e não há alguma possibilidade que proceda de duas direções. Isso é comprovado quando se afirma que o mundo foi criado do nada. Ainda nesta primeira parte o autor afirma que o mundo tem somente um fundamento: a vontade de Deus, que é santo amor, e é por isso, que ao anunciarmos a confissão da criação, por estar na Bíblia e, também pelo que se canta na Igreja, esse testemunho toma a forma de um hino de louvor ao Criador. Finaliza esta primeira reflexão afirmando que “A criação é boa porque o criador é bom”.

Em seguida, dá início na segunda parte com o subtítulo: O mundo com criação. Diz haver similaridade do pensamento Teísta sobre a criação do mundo, aos resultados das convicções filosóficas e da ciência natural, especialmente o que está descrito em Gênesis capítulos 1 e 2. Afirma que a cosmovisão cristã, com respeito à redenção acarreta muitas coisas para aquilo que se conhece e o que se tem no mundo, assim, pelo mundo ser de fato criado por Deus, implica que tudo o que nele há é estruturalmente bom e importante. Nada é mau; nada é enganoso; nada é inferior. Diz ainda, que o mundo foi feito propositalmente e que Deus o criou por amor, a fim de que Ele pudesse existir e se desenvolver.

Deus como criador começou uma história com a humanidade; Ele decidiu encontrar-se com os seres humanos como ser humano, por ter novos propósitos. Dessa forma, ao buscar a comunhão e a obediência a Deus, o entendimento deste propósito se torna evidente. Afirma também que o propósito do mundo é o reino de Deus como a plena realização da existência humana através da comunhão com Deus. Quando se aceita o Novo Testamento, pode-se entender a criação como o primeiro de uma série de atos redentores de Deus, análoga à redenção. Dessa forma pode-se crer que o propósito final da criação a partir do aparecimento de Cristo, se torna mais claro. Berkhof afirma ainda que esta criação foi feita para ser elevada, que é real, tem um objetivo e utilidade numa forma radicalmente nova de humanidade em conformidade com a imagem do Cristo glorificado. Em posse desse pensamento o crente deve ambicionar outro mundo, não se conformando com este.

O autor procura trazer ao entendimento do leitor que na atualidade há a necessidade de se pensar numa articulação da crença na criação em termos da interpretação evolucionista do universo. O que até o século passado parecia impossível, pelo pensamento cristão estar ligado à narrativa da criação de forma unilateral de Gênesis, capítulo 1, e, também porque o darwinismo determinístico tradicional dava a impressão de excluir a idéia da criação e que, hoje, segundo ele, estas pressuposições, mutuamente excludentes, foram abandonadas. Berkhof arrisca dizer que atualmente é mais fácil associar a fé cristã com a noção de evolução do que com a visão de mundo estática ptolemaica e, que, para ele, a doutrina da evolução estabelece um grande processo histórico daquilo que chamamos natureza, um processo que conduz ao surgimento do fenômeno da espécie humana, que é contínuo, levando de uma forma nova a um futuro novo e aberto. Descreve que em Gênesis capítulo 1, a criação é apresentada como um processo histórico que consome seis dias – assim, faz a comparação dizendo haver uma forma de processo evolutivo – e que isso, prefigura a história da redenção que se estende rumo ao futuro escatológico. Diz que a aceitação da interpretação evolucionista por parte do crente, o leva a entender que ela (interpretação evolucionista) é a descrição do fenômeno exterior do evento da criação e que possivelmente seria necessário ter outros modelos para falar sobre a origem do universo. No final desta segunda parte, o autor entra num assunto não menos polêmico onde discorre sobre o céu e sua conexão com os anjos. Descreve que na Bíblia, a palavra “céu” traz três significados distintos, mas confluentes: 1- o visível firmamento estrelado; 2- uma realidade criada mais elevada, inacessível à observação humana, onde Deus é louvado e servido; e 3- a esfera ou espaço do próprio ser de Deus. Procura encerrar seus argumentos dizendo que a salvação quer dizer que o céu é ativo em penetrar a terra e que ao falar sobre o céu, quer dizer que o mundo ainda existe num estágio inferior de desenvolvimento. Que a ação de Deus é esperada na terra, e Ele irá levantá-la a um nível de existência superior, em harmonia e comunhão com o modo de existência impregnado por Ele mesmo.

Foi grande o desafio de resumir tão elevado pensamento em poucas linhas por haver muitas ricas argumentações por parte do autor. No entanto, ao mergulhar no texto, observa-se um pensamento que está bem acima dos limitados e tradicionais encontrados em algumas discussões teológicas.

O autor é habilidoso ao levar o leitor a compreender a possibilidade de um Deus, bom e amoroso, criador de um mundo que se consome e que se deteriora a cada momento. Como, um ser supremo poderia realizar coisa assim?

À medida que discorre sobre seus argumentos o entendimento do texto se torna mais claro. Soberania do Criador e dependência da criatura. Plano redentor, por parte de quem cria, e pensamento limitado da criatura.

Há a necessidade de pensar dentro destes conceitos. Nossa teologia não pode e não deve tentar limitar Deus, através de nosso pensamento cognitivo. Quando “damos” a liberdade para Deus ser Deus, podemos ver, tanto a criatura como o Criador de formas muito diferentes dos parcos e limitados pensamentos que somos induzidos a desenvolver.

Devemos pensar a ciência como elemento da mesma criação e não algo que, de alguma forma, deveria trazer comprovação apenas. Os extremos por muito tempo têm causado vários e sérios problemas para a humanidade, e por que não dizer para a Igreja de Cristo.

Ver Deus na criação, mesmo através do processo evolutivo é, para mim, algo de uma grandeza singular. Um desafio sem precedentes, com necessidades de aprofundamentos teológicos e científicos, com lisura e honestidade. Deus é capaz de fazer muito mais do que aquilo que conhecemos, vemos ou ouvimos sobre Ele. Ele é Deus. No entanto, muitas pessoas pensam na soberania de Deus, somente quando está passando por alguma necessidade.

Vivemos num tempo de religião self-service. À medida que preciso, busco. Se precisar de um milagre, Ele pode fazer. Mas ao pensarmos que para Deus não há limites e nem limitações, temos algumas dificuldades.

Precisamos romper com estes empirismos, dentro e fora da igreja e entender que somos apenas criatura, “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10). Acredito que seremos libertos, cada vez mais, quando caminharmos neste sentido. Berkhof nos apresenta um lindo texto, mesmo sendo apenas a ponta de iceberg, nos desafia a aprofundar na leitura e nesta linha de pensamento para honra e gloria do próprio Criador.