terça-feira, 4 de maio de 2010

Reflexão teológica sobre o texto: Do terror à esperança - Paradigmas para uma escatologia integral

ROLDÁN, A. F. Do terror à esperança – Paradigmas para uma escatologia integral. Londrina: Descoberta, 2001, pp. 77-100.

Por Claudecir Bianco – 04/05/2010

O milênio: dados bíblicos e ciência ficção
O propósito desse capítulo (3) consiste em apresentar as origens do milenarismo, os dados bíblicos sobre o tema e as escolas que se forjaram em torno ao milênio, seja a partir de uma interpretação literalista, seja a partir de uma compreensão simbólica. O capítulo finalizará com uma crítica a esse tipo de escatologia.

Origem do milenarismo
As investigações sérias realizadas no âmbito da apocalíptica coincidem em assimilar a origem judaica e intertestamentária do milenarismo, entendido como um período de mil anos de governo de Deus sobre a terra, antes do fim. Dentro do judaísmo, os rabinos falaram de uma época messiânica cuja duração era incerta. Alguns deles falavam de quarenta anos, como que rememorando o êxodo, outros falavam de quatrocentos anos, e, finalmente, alguns se referiam há mil anos.
O termo grego que é traduzido por “mil anos” e do qual vem o latim milenium é chília, razão pela qual o milenarismo também é chamado de quiliasmo. Essa palavra aparece somente em Apocalipse 20.2-7.

O fundamento bíblico para o milenarismo, entendido como mil anos de reinado literal de Jesus Cristo sobre a terra, é sumamente débil, no sentido de estar dentro de um contexto apocalíptico que, como tal, recorre permanentemente à simbologia numérica.

Os milenaristas oferecem muitas citações de textos do Antigo e do Novo Testamento para apoiar suas afirmações, mas se trata, certamente e como veremos, de extrapolações ou aplicações das idéias milenaristas e passagens bíblicas que não necessariamente se referem a esse período futuro de reinado de Jesus Cristo por mil anos, a partir de Jerusalém.

Desenvolvimento histórico do milenarismo
As idéias milenaristas, de alguma maneira, remontam a alguns Pais da Igreja que vislumbraram uma espécie de reinado literal de Jesus Cristo por mil anos sobre a terra. Mas um dos personagens chave foi Montano, que, em meados do século II, pretendendo ser um profeta de Deus, proclamou o tempo do Espírito Santo.
Eusébio de Cesaréia, primeiro historiador sistemático da igreja no século IV, interpretou o reinado de Constantino como o começo do milênio. Agostinho de Hipona, na primeira etapa de seu pensamento, subscreveu a idéia de um milênio literal. Depois mudou para uma idéia espiritual do milênio. Agostinho fala de duas maneiras que se podem interpretar os “mil anos”. Uma é entender que os mil anos correspondem ao “sexto milênio, como se fosse o sexto dia, do qual os últimos períodos estão transcorrendo agora”. A outra – e mais provável – de interpretar os mil anos é tomar essa cifra pelos anos totais desse mundo, citando com um número perfeito a plenitude do tempo.

Mais adiante, Agostinho, define melhor sua interpretação do milênio, dizendo: “Efetivamente, a igreja reina em companhia de Cristo agora.”

Mas a verdadeira reatualização do milenarismo veio com Joaquim de Fiore (1145-1202), fundador de um mosteiro em Fiore, uma aldeia da Calábria, na Itália. Joaquim proclamou a vinda da redenção com a vinda do Espírito Santo.

Lutero intuiu a proximidade do dia do juízo final. Ele identificava Babilônia com a Roma católica, e o papa com o Anticristo.

O mais enérgico e violento apocalíptico desse período da Reforma foi Tomás Müntzer, que pugnou por fazer cumprir a vontade de Deus e o Reino de Deus através da espada. Em uma apelação difundida em Praga em 1521, Müntzer instava a população a purificar a igreja usando até de violência física, no espírito do profeta Elias frente aos sacerdotes de Baal.

Mas o fim de Müntzer foi trágico, pois foi decapitado a 27 de maio de 1525.

Em nosso âmbito latino-americano, a influência das idéias milenaristas que se verificou na época das independências, quando foi publicada a obra do jesuíta chileno Manuel Lacunza.

Chama a atenção que um fundamento bíblico tão conciso tenha despertado tanto interesse através do tempo, gerando movimentos milenaristas de cunho mui diverso e, por outro lado, que o milênio se tenha transformado no eixo central a partir do qual foram elaboradas as distintas escolas escatológicas.

O pré-milenarismo dispensacionalista
Começamos com o pré-milenarismo dispensacionalista, influência no âmbito evangélico mundial, incluindo nosso contexto latino-americano. É uma variante moderna do pré-milenarismo. Seus começos remontam ao século XIX e ele foi construído a partir das idéias antigas dos Pais da Igreja em torno de um juízo final. Esse último pré-milenarismo é chamado precisamente de “pré-milenarismo histórico” pelo fato de remontar-se aos primeiros séculos da história da igreja. Deve ficar bem claro que nem todo milenarista é dispensacionalista, enquanto todo dispensacionalista, por definição, é pré-milenarista.
Darby, neto do famoso Almirante Nelson, fez uma reinterpretação da Bíblia a partir de “dispensações”, entendida como “economias” no sentido de diferentes tratos ou convênios de Deus com a humanidade.

Que afirmação faz o dispensacionalismo? Um de seus postulados fundamentais é que as dispensações representam formas distintas em que Deus tratou com o ser humano: a dispensação da lei, da graça, do governo humano.

Outra ênfase do dispensacionalismo é sua hermenêutica literal. Disse Ryrie: “O literalismo conseqüente é a base para o dispensacionalismo e, desde que o literalismo conseqüente é o lógico e óbvio princípio de interpretação, o dispensacionalismo está mais que justificado.”

O dispensacionalismo dá uma forte ênfase em Israel. Parte do pressuposto de que o reino que Jesus ofereceu a Israel foi o reino teocrático de Davi, ou seja, um reino terreno de caráter judaico. Quando Israel rejeita essa oferta como que ocorre uma mudança de direção, o reino é suspenso e Jesus funda a igreja.

Já entrando em terreno decididamente escatológico, o dispensacionalismo afirma que a chamada “segunda vinda de Jesus Cristo” acontecerá em duas etapas. A primeira delas, chamada de “arrebatamento”, significa que a igreja será tomada por Jesus Cristo a fim de ser levada ao céu, em cumprimento.

A motivação parece ser a fuga da grande tribulação.
A segunda etapa será a “revelação”, isto é, a vinda de “duas segundas vindas”: uma para a igreja, outra para o mundo. Terão lugar duas vindas, uma secreta e outra pública.

O dispensacionalismo afirma que, durante o período da grande tribulação, os judeus pregarão o “evangelho do reino”, e que se converterão muitos judeus e gentios. No fim da grande tribulação, Jesus Cristo regressará para o mundo e estabelecerá o reino de exatos 1000 anos, nos quais ele reinará a partir de Jerusalém e serão reiniciados os sacrifícios do Antigo Testamento no templo reedificado. A explicação para a realização dessas metas está na prisão de satanás durante esses 1000 anos.
Mas será derrotado e lançado ao lago de fogo. Os mortos ressuscitarão e comparecerão diante do grande trono branco e serão julgados. Depois virá o estado final da criação de Deus, com o novo céu e a nova terra.

O pré-milenarismo histórico
Essa escola de escatologia coincide com o dispensacionalismo no sentido de interpretar literalmente o milênio de Apocalipse 20. É chamado de “pré-milenarismo histórico” porque remonta aos Pais da Igreja. Mantém sérias diferenças com seus outros postulados efetivamente, o pré-milenarismo histórico questiona a interpretação judaica do reino trazido por Jesus.
Os argumentos brandidos pelo pré-milenarismo histórico para fundamentar sua posição é que não há “arrebatamento secreto”, já que antes do retorno de Cristo se manifestará o império da iniqüidade ou de ilegalidade, em cumprimento à predicação de Paulo em 2 Tessalonicenses 2, em que corrige o que parecia estar indicada em 1 Tessalonicenses 4.13ss e que trouxera conseqüências graves para conduta de alguns crentes de Tessalônica, que, como Cristo já estava às portas, deixaram de trabalhar e de se ocupar das “coisas do mundo”.

Finalmente, para o pré-milenarismo histórico, não há um pretenso “arrebatamento secreto pré-tribulacional” da igreja. O único ponto importante em comum é a crença em um futuro milênio literal de governo de Jesus Cristo na terra.

O pós-milenarismo
O pós-milenarismo é o ponto de vista sobre as últimas coisas, que defende que o reino de Deus agora está sendo difundido no mundo através da predicação do evangelho e da obra salvadora do Espírito Santo nos corações dos indivíduos, que o mundo acabará sendo cristianizado e que o retorno de Cristo ocorrerá no fim de um longo período de justiça e paz comumente denominado milênio.
Alguns conceberam o milênio como algo do passado, enquanto outros creram que pertencia ao futuro, possivelmente exatamente antes da segunda vinda. A forma mais recente de pós-milenarismo se relaciona com uma descrição de corte humanista e evolucionista e é caracterizada por uma visão otimista que entende que o mundo está num processo de melhora.

Parece não ter tido representantes entre os Pais da Igreja. Foram os puritanos da Inglaterra no século XVI que, em aberta crítica às reformas da Igreja Anglicana – que eles julgavam insuficientes e superficiais – lutavam por uma reforma muito mais profunda. Produziu teólogos importantes como John Owen, Richard Baxter e John Bunyan.

Para o pós-milenarismo, o milênio representa uma idade de ouro, um tempo de prosperidade espiritual que se verificará no presente tempo da igreja, em uma espécie de grande avivamento que implicará a conversão em massa de gentios e judeus, em cumprimento da visão paulina que encontramos em Romanos 11.25-27.
É fácil indicar que o pós-milenarismo teve seu momento de esplendor no século XIX, mas entrou em colapso com duas conflagrações mundiais do século XX.

Amilenarismo
O termo “amilenarismo” se aplica à corrente escatológica que postula que o milênio não deve ser entendido como um período literal de governo de Jesus Cristo sobre a terra. O que caracterizava essa escola, portanto, é que a postura hermenêutica em relação ao texto de Apocalipse 20.1-7, que, diferente das outras perspectivas já estudadas, entende que, por se tratar de uma passagem de natureza apocalíptica, não se deve interpretá-la em termos literais, porém simbólicos.
David Bruce afirma que vários Pais da Igreja adotaram esse tipo de interpretação, entre os quais menciona Policarpo de Esmirna, Barnabé, Clemente e o documento chamado Didaquê (o ensino dos apóstolos).

Alguns amilenaristas têm objetado ao termo “amilenarismo” porque, como disse Anthony Hoekema, ele sugere que seus adeptos não crêem em nenhuma forma de milênio, ou que simplesmente ignoram a passagem de Apocalipse 20.1-7. Por essa razão, Hoekema propõe substituir a expressão por “milenarismo realizado”.
Decisivo é a interpretação que o amilenarismo faz da passagem chave, no sentido de considerá-la simbólica do tempo da igreja agora. Cristo conquistou a vitória decisiva sobre o pecado, a morte e Satanás. A partir dali, ele já reina. Precisamente, outra ênfase do amilenarismo está na afirmação da presença do reino de Deus. Falar de reino de Deus é referir-se a um reino já presente a partir da obra de Jesus Cristo, um reino eterno e consumado.

Em apocalipse 20, onde se diz que Satanás será aprisionado, os amilenaristas não entendem isso como algo futuro, mas como algo atual, no sentido de que Satanás não pode impedir que as pessoas ouçam a mensagem do evangelho do reino e, pela fé em Jesus Cristo, experimentem seu poder. Os amilenaristas interpretam os “tronos” como uma referência a tronos celestiais e não terrenos. Eles fundamentam sua exegese apelando para o fato de que a palavra grega thrónos (“tronos”), que aparece 47 vezes no Apocalipse, se refere a tronos nos céus.

“O milênio é agora, e o reinado de Cristo com os crentes durante esse milênio não é um reinado terreno, mas celestial.”
O amilenarismo entende que a segunda vinda de Jesus Cristo será precedida por certos eventos, como a pregação do evangelho a todas as nações, a conversão da plenitude de Israel, a grande apostasia, a grande tribulação e a vinda do Anticristo. Depois, Cristo voltará em um só evento escatológico que podemos chamar indistintamente de parusia, apocalipse ou epifania; os mortos em Cristo ressuscitarão com corpos de glória e os que estiverem vivos nesse momento serão transformados em um piscar de olhos (1 Tes 4.13ss.).

Escatologia ciência-ficção
Uma forma extrema de pré-milenarismo dispensacionalista foi se formando através do tempo, conseguindo, a partir da década de 1970, um grande movimento de vendas, devido ao seu caráter sensacionalista. Uma da obras que mais influiu nesse tipo de escritos escatológicos foi A agonia do grande planeta terra, de Hal Lindsey. O “arrebatamento secreto” da igreja, orientado por uma série de fatos mundiais como a formação do Mercado Comum Europeu e a ascensão da União Soviética que, obviamente, o autor considerava perigosa, Lindsey não tem dúvidas para identificar personagens e movimentos que indicam um fim próximo para o mundo. O autor relacionava a União Soviética com o Anticristo apocalíptico.
“Por mais negro que pareça esse quadro, o futuro nunca foi mais brilhante, pois, à medida que as coisas ficam mais difíceis neste velho mundo, isso significa que a vinda do Messias Jesus está muito mais próxima!”

“O colapso do comunismo e o desaparecimento da União Soviética pôs em evidência a superficialidade desses ‘mapas e esquemas escatológicos’, obrigando seus idealizadores a fazer um sério replanejamento dos mesmos”.
Enfim, trata-se de imagens apocalípticas próprias de ciência-ficção, mas que estão longe de ser resultado de sólidos e sistemáticos trabalhos exegéticos.
Antes de Gorbachov, o meio foi a escatologia chamada “sistemática”. Agora o meio é a ficção.

Em resumo: o milenarismo é uma interpretação cujo fundamento escritural é sumamente débil, já que a única passagem que fala do tema de forma explícita é Apocalipse 20.1-7. Sua origem, não obstante, é anterior a João, já que ele se baseia em alguns escritos apocalípticos intertestamentários, especialmente o livro de Esdras.
Devemos fazer uma distinção cuidadosa entre o pré-milenarismo histórico e o dispensacionalista. Ambos defendem um futuro governo de Jesus Cristo por mil anos sobre a terra. Mas o dispensacionalismo representa uma moderna escola de escatologia, com ares chamativos de novidade. O pós-milenarismo gozou de certa adesão antes do século XX, mas a explosão das guerras mundiais fez com que ele perdesse força.

O amilenarismo se afirma em uma exegese que pretende levar em consideração o caráter apocalíptico do número 1000 em Apocalipse 20. Uma forma extrema de dispensacionalismo foi se formando a partir dos anos 1970 e, apesar de ficar totalmente off side a partir da comoção causada pelo desaparecimento da União Soviética e a queda do muro de Berlim, ela não abjura de seus postulados centrais. Pelo contrário, deixando de lado exposição e doutrina, seus expoentes continuam insistindo nas mesmas afirmações de antes, só que agora o fazem de vertente ficcional.
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Falar do conteúdo do livro de Apocalipse, nem sempre é uma tarefa fácil. No entanto Alberto F. Roldán o faz de forma agradável, uma vez que discorre, neste capítulo sobre as escolas e seus principais expoentes.

Sem dúvidas, podemos presenciar nas igrejas, livros, televisão, cinema etc., várias alusões com o referido tema.

Muitos com o intuito de formar massa crítica para promover algo ou alguém. Outros, literalmente com finalidades financeiras. Talvez o que muitos não queiram é refletir biblicamente e profundamente sobre este tema.

Assim, como argumenta o autor, outros tantos o fazem sem qualquer preparo ou aprofundamento exegético.

De certa forma, estamos bem com os conteúdos que temos sobre as “interpretações” do apocalipse se comparar com os tempos passados da Igreja.

Antes a vida das pessoas, de certa forma, girava em torno da religiosidade centrada nos pensamentos limitados de alguns. Hoje, vivemos num momento diferente. Buscamos significados para tudo o que está escrito nas escrituras, mas o fazemos com mais liberdade. Se estes significados estiverem ocultos, melhor será.

O que impressiona é que o conteúdo do livro de Apocalipse é realmente desafiador. E sua possível interpretação, pode induzir a muitos a erros e deslizes. O erro, todavia, está em analisar um único livro e tentar formar dele uma regra ou um padrão a ser seguido.

Outros textos são tão desafiadores como os de Apocalipse como, por exemplo, o texto do Evangelho de Lucas 17.34-37, “Um será tomado, e deixado o outro”... se compararmos com os versículos anteriores (17.27), fica a pergunta: quem foi tomado? e quem foi deixado?

Assim, o conteúdo do Apocalipse continua a trazer várias interpretações, tantas que nem se quer conseguimos identificar nas comunidades qual linha de pensamento é defendido.

Passo a olhar com mais atenção e mais cuidado para leitura e, possíveis interpretações deste maravilhoso livro.

No entanto creio que, assim como os livros da Bíblia, o Apocalipse é tão atual como são as cartas de Paulo.

O que precisamos é da sabedoria do Espírito Santo para o entendimento que nos faça crescer na fé, para sermos bons servos do Senhor.

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