quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

SEGUIDORES DE QUEM?

SEGUIDORES DE QUEM?
Reflexão sobre a prática da Missão Integral
Claudecir Bianco


Artigos e outras reflexões estão sendo escritos sobre a Missão Integral (MI) constantemente. Alguns continuam a apresentar textos bonitos e bem escritos que nos satisfazem com sua leitura e nos dão uma sensação de que, ou estamos próximos dessa prática ou, tão distantes que sentimos que estamos seguindo outros movimentos e que nunca conseguiremos realizar essa missão. Para aqueles que se satisfazem apenas com a leitura, o sentimento que de a igreja está, de alguma forma, sendo impactada por este conteúdo, faz com que se pense que a prática também é uma realidade. Para outros que acreditam que estão distantes dessa verdade, o sentimento de revolta, vergonha e até mesmo de dúvida é inevitável. Como lidar com a proposta da MI nos dias de hoje? Será que faltamos a alguns cultos onde o tema do sermão foi a MI e ninguém nos falou a respeito? Será que a MI é impraticável nos dias atuais?

Essas e outras dúvidas já devem ter alcançado aqueles que são seguidores de Jesus. Você se lembra que você segue a Jesus... aquele... chamado Cristo... enviado por Deus, o criador e sustentador de TODAS as coisas...???

Bem, o que podemos perceber é que alguns equívocos sobre a MI estão justamente neste ponto. Estão no início da idéia ou da proposta. Alguns de nós não sabemos mais, quem estamos seguindo, daí mais uma pergunta: Seguidores de quem? Será que estamos seguindo um movimento qualquer que busca implantar “um curso” qualquer, numa comunidade qualquer, trabalhando com pessoas que nem se quer conhecemos e, que muitas vezes não queremos conhecer? Será que pensamos e vivemos nossa igreja como a mais correta e única que irá nos levar para o céu? Será que estamos tão preocupados com nossas próprias atividades diárias que a leitura e reflexão da bíblia já não tem mais sentido? Será que os ministérios desenvolvidos “dentro” da igreja são suficientes e, essa história de MI é para quem tem algum “chamado para os pobres”?

No Antigo Testamento, quando lemos sobre a criação, vemos que Deus prepara um cenário, composto e organizado de tal forma que irá atender o ser humano de forma integral. Um cenário de paz e harmonia. Uma paz, no sentido mais amplo possível, descrita da seguinte forma:

A palavra paz do AT – Shalom - significa “completude”, “saúde” e “bem-estar”. Pode significar prosperidade material (Sl 122.6ss.) ou segurança física (Sl 4.8), mas também pode significar bem-estar espiritual associado à retidão e à verdade (Sl 85.10; Is 57.19ss.). Era considerada um presente de Deus, de modo que a era messiânica seria um tempo de paz (Is 11.1ss.). O NT mostra o cumprimento dessa esperança; Jesus trouxe a paz (Lc 1.79) e a concedeu a seus discípulos (Lc 7.50). A palavra do NT contém todo o significado de Shalom e está ligada à retidão (Rm 14.17). O sacrifício de Cristo pelo pecado traz às pessoas paz com Deus (Rm 5.1) seguida de paz interior (Fp 4.7) não turvada pelas lutas do mundo (Jo 14.27). Jesus morreu em parte para criar a paz entre as pessoas (Ef 2), mas elas devem promovê-la ativamente [grifo meu] (Ef 4.3) já que o Espírito as enche dela (Gl 5.22). (WILLIAMS, 2000, p. 280).

O mundo criado e existindo na mais perfeita ordem, o Shalom estabelecido. Para Castro, Shalom:
Representa um estado de integridade, harmonia, inteireza e unidade. Relaciona-se também à idéia de bem-estar-social, prosperidade, plenitude de vida, realização de vida pessoal, comunitária e nacional. (CASTRO, 2000, p. 96).

Tudo o que foi criado, foi colocado à disposição do homem para que ele o utilizasse, cuidasse e administrasse. Assim, a sabedoria do criador não se limitou em atender apenas a área espiritual do ser humano, mas, de forma majestosa, deu a ele alimento, água, ar e tudo mais. Ainda, para atendê-lo de forma mais completa, o criador lhe deu uma auxiliadora. Pode-se observar aqui que o ser humano é uma unidade de corpo, alma e espírito, inseparáveis entre si. Dessa forma, pode-se imaginar que as necessidades básicas do ser humano foram atendidas. Observa-se que, mesmo com a queda, estas necessidades não foram extirpadas, mas foram de certa forma, “prejudicadas” em sua essência.
Corrobora com este pensamento o autor Juan Stam quando afirma:

A criação não se contempla separada da salvação, nem a salvação separada da criação. Por isso, a teologia bíblica da criação é absolutamente indispensável para nossa fiel compreensão tanto do Evangelho como da missão da Igreja. Jamais podemos entender biblicamente a salvação e a missão se desvincularmos da criação. (STAM, apud PADILLA, 2006, p. 30).

Pode-se entender, a partir dessa citação, entre outras coisas, que o propósito da missão da Igreja não é somente a salvação da alma, mas a transformação da pessoa na sua totalidade, de modo que esta transformação glorifique a Deus em todas as dimensões da vida humana. A igreja necessita voltar-se para o estudo sistemático da Palavra de Deus e sua aplicação prática no dia-a-dia.

No Antigo Testamento, verificamos que existe uma clara atenção de Deus pelos pobres e oprimidos. Não significa dizer que Deus faça acepção de pessoas ou de classe social. Mas, com certeza, Ele olha de maneira especial para aqueles que não têm vez, que não têm voz, que não têm suas necessidades básicas atendidas. Observam-se várias citações Bíblicas que nos é apresentada as causas, realidades e conseqüências da pobreza. Outras citações falam do oprimido, do humilhado, do desesperado, do que clama por justiça, do fraco, do desamparado, do destituído, do carente, do pobre, da viúva, do órfão e do estrangeiro. Podemos encontrar outras citações, como, por exemplo, no livro de Isaías, capítulo 58, versículos 2 ao 12.

Pois dia a dia me procuram; parecem desejosos de conhecer os meus caminhos, como se fossem uma nação que faz o que é direito e que não abandonou os mandamentos do seu Deus. Pedem-me decisões justas e parecem desejosos de que Deus se aproxime deles. “Por que jejuamos”, dizem, “e não o viste? Por que nos humilhamos, e não reparaste?” Contudo, no dia do seu jejum vocês fazer o que é do agrado de vocês, e exploram os seus empregados. Seu jejum termina em discussão e rixa, e em brigas de socos brutais. Vocês não podem jejuar como fazem hoje e esperar que a sua voz seja ouvida no alto. Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, e se incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinza? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor? “O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo o jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda. Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou. “Se você eliminar do seu meio o jugo opressor, o dedo acusador e a falsidade do falar; se com renúncia própria você beneficiar os famintos e satisfazer o anseio dos aflitos, então a sua luz despontará nas trevas, e a sua noite será como o meio-dia. O Senhor o guiará constantemente; satisfará os seus desejos numa terra ressequida pelo sol e fortalecerá os seus ossos. Você será como um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam. Seu povo reconstruirá as velhas ruínas e restaurará os alicerces antigos; você será chamado reparador de muros, restaurador de ruas e moradias. (Isaías 58.2-12 - NVI).

Como está sendo nossa prática, como povo de Deus? Sem dúvidas, a Igreja de Cristo tem crescido, mas qual está sendo sua missão? A quem estamos seguindo? Estamos seguindo a homens, normas, leis, modismos...??

Outra citação pertinente está no livro de Ezequiel, capítulo 16, versículo 49, que afirma que o pecado de Sodoma, além do orgulho, da vaidade e da imoralidade, era que aquela cidade, sendo rica e abastada, nunca atendeu o pobre e o necessitado: “não fortalecia a mão do infeliz e do pobre.” (Ez 16.49).

Assim, pode-se observar que todas as orientações de Deus para seu povo no Antigo Testamento, apresentavam os objetivos de cuidado e zelo (Shalom) para aquele que sofria e era oprimido.

No Novo Testamento, no evangelho de João, capítulo 10, versículo 10b, Jesus diz:“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.”

O entendimento desse versículo é tão desafiador como é a prática da MI da Igreja neste mundo em transformação. Há a necessidade de entendimento de que a prática da MI está ligada diretamente na ação que Deus espera de seu povo. Passa pela compreensão que este povo foi restaurado pela morte e ressurreição de Jesus. Mostra que é uma ação prática e envolvente na comunidade local. Não são ações vazias de significados, porém, concretas e com objetivos definidos. Não é uma ação realizada por uma única pessoa, mas de uma equipe coesa, transformada pela ação de Deus em suas vidas, disposta, solidária e apaixonada pelo que faz.

Conforme Zabatiero (2005, p. 125): “Todo fazer teológico deve ser prático, ou seja, todo fazer teológico tem como finalidade orientar a ação cristã presente em resposta ao agir de Deus – no passado, presente e futuro.”

Assim, como no passado, Deus levantava um profeta para denunciar as corrupções e as idolatrias do povo, assim deve ser no presente. Da mesma forma como Deus anuncia um renovo através do envio Jesus, a restauração do Shalom se estabelece, assim deve ser o anúncio hoje e no futuro. No entanto, num mundo de constantes mudanças, dificuldades surgem e confunde a muitos.

Para Hordern:
A Teologia deve levar em consideração as condições contemporâneas. Nunca bastará que simplesmente se repita o que disseram os teólogos do passado. Eles foram realmente grandes, pelo fato de que fizeram aplicações da Palavra de Deus atendendo às exigências de sua época. Em vez de ficarmos repetindo suas idéias, o que temos de fazer é realizar para o nosso tempo o que eles entenderam necessário para o tempo quando viveram. Barth insiste que seus alunos leiam muito, tendo a Bíblia numa das mãos e os jornais na outra. (HORDERN, 2003, p. 167).

Mesmo assim, parece que o entendimento de MI do povo de Deus ainda está ofuscado por iniciativas farisaicas, superficiais e muitas vezes assistencialistas.

Para Bosch: “... a missão é, simplesmente, a participação das pessoas cristãs na missão libertadora de Jesus.” (HERING, apud BOSCH, 2002, p. 619).

Simples assim. Ao mesmo tempo, tão complexa que vários encontros seguem acontecendo, ano após ano, com o intuito de discutir e refletir sobre os mesmos assuntos. Reconhecemos que muitas ações e propostas surgiram decorrentes destes encontros, mas as orientações já foram passadas para a Igreja há mais de 2000 anos.

Para Rowland:
O amor de Deus pelo homem é o agente fundamental de mudança na vida das pessoas. O caráter de Deus é o amor. Seu propósito e Seu desejo são nos regenerar como indivíduos, de maneira que Ele possa canalizar Seu amor através de nós para um mundo faminto de amor. (ROWLAND, 2004, p. 262).

Todavia, há em cada cristão uma tensão entre o novo e o velho homem. Algo que muitas vezes impede uma prática mais efetiva de vida eclesiástica, social e, até, dificultando o amor ao próximo, conforme Cavalcante:
Pessoalmente a vida do cristão pode ser descrita como uma batalha, uma tensão entre o antigo e o novo. Há um clima constante de inadequação: estamos no novo éon, mas o antigo ainda subsiste. Assim, o cristão testemunha em si a luta entre os desejos da carne e a vontade do Espírito que nele habita, mas que não consumou sua obra, o que acontecerá mediante a ‘ressurreição do corpo’, quando então o cristão terá um ‘corpo espiritual’ inteiramente dirigido pelo Espírito. (CAVALCANTE, 2007, p. 82).

Esse testemunho e essa luta constante deverão levar o cristão ao encontro do outro de forma integral. A partir de uma mente renovada pela ação do Espírito Santo, o cristão e sua Igreja devem procurar enxergar sua comunidade com outros olhos. Olhos de compaixão, de amor, de solidariedade, para que assim, possam, de forma concreta, se encarnar na vida comunitária e promover as mudanças necessárias, motivando os membros das Igrejas a serem testemunhas e instauradores do Shalom de Deus.

Conclui-se, portanto, que a Missão Integral da Igreja é totalmente bíblica; conseqüentemente, não deve ser uma filosofia cega ou um modismo passageiro. A Igreja precisa evangelizar sua comunidade, prestando a ela um serviço responsável, cumprindo a tarefa de Cristo.

Missão Integral traduz-se como a ação do povo de Deus na comunidade. É a práxis cristã restaurando o Shalom. É a busca e o estabelecimento da justiça de Deus. É a cosmovisão Teista sendo fortalecida e desenvolvida na Igreja e, conseqüentemente, na comunidade. São ações fundamentadas no amor a Deus e ao próximo, ações que, ao longo do tempo, cria vínculos e estabelece relações duradouras.

A Igreja deve se encarnar na comunidade de tal forma que caminhe com ela, devendo assim, exercer ações críticas e proféticas, que denunciem a injustiça humana e anunciem a justiça de Deus. É uma Igreja que é transformada e procura transformar os outros. É uma Igreja que anuncia e vive o Evangelho de vida abundante porque o Shalom de Deus chegou até ela, e ela, vive a Missão Integral.

Portanto, a MI só se realiza quando uma igreja recebe com discernimento o testemunho da Escritura, obedece e dispõe-se a assumir o custo da fidelidade a Deus. A MI nasce de cada página sagrada, concretiza-se em nossos contextos históricos e se orienta colocando todas as coisas sob o senhorio de Jesus Cristo. O Espírito Santo abre nosso entendimento e nos sustenta com sinais que anunciam a presença libertadora do Reino de Deus. Cabe a cada um aceitar o desafio e cumprir com sua responsabilidade como povo de Deus.

Quem, verdadeiramente você está seguindo?
Há a necessidade de compromisso ainda maior, por parte dos Cristãos (os seguidores de Cristo) com as comunidades, onde o próprio Deus os colocou, para que ainda hoje, como povo de Dele, se estabeleça a Sua PAZ... que é o Seu SHALOM!

Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao SENHOR;
porque na sua paz vós tereis paz.
Jeremias 29.7

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